Notas
sobre a oposição dos anarquistas à(s) guerra(s)
Em 1907,
o congresso internacional anarquista da Aliança Antimilitarista que se realizou
em Amesterdão, corroborou uma resolução da AIT- Associação Internacional dos
Trabalhadores que considerava a greve geral insurrecional como “o único meio de
impedir a guerra e assegurar a paz.” (Tavares, s/d)
O
congresso de Amesterdão, segundo Tavares (s/d), “também incitou à revolta
individual, à rejeição isolada ou coletiva do serviço militar, à desobediência
passiva e activa e à greve militar com vista à destruição radical dos
instrumentos de domínio.”
Após a
declaração da Primeira Guerra Mundial, o campo anarquista dividiu-se: uns
mantiveram-se intransigentes na sua oposição à guerra enquanto outros
“enterraram” o seu antimilitarismo ao aliarem-se aos governos aliados na luta
contra a Alemanha. Em Portugal, mantiveram-se fiéis aos seus ideais
antimilitaristas a revista A Aurora, do Porto, a maioria da UON, as Juventudes
Sindicalistas e Gregório Nazianzeno Moreira de Queiroz e
Vasconcelos, mais conhecido como Neno Vasco.
De acordo com Fontes (n/p), foram vários os anarquistas presos
por se oporem à participação de Portugal na guerra, como Emílio Freitas da
Silva, António Casimiro da Silva, José dos Reis Couto e Sabina Lopes Condeça
(1888-1977). Esta, segundo o Arquivo MOSCA, operária conserveira, esteve 3
meses na prisão militar de Évora, acompanhada da sua filha Antonina.
Em julho de 1925, num comunicado “Contra a Guerra”, a CGT,
dirigindo-se ao proletariado português, reproduz um texto da AIT.
Depois de referir que com a guerra terem sido mortos milhões de
seres e que o grande vencido fora o proletariado, o texto apela a que todos os
trabalhadores “tomem a responsabilidade da paz nas suas próprias mãos, como
classe consciente, arrancando à burguesia a determinação sobre os destinos do
mundo, sobre o seu próprio destino, e se convertam em propulsores da sua
própria história”.
O comunicado termina com uma referência a uma resolução do
segundo congresso da AIT que abaixo se transcreve:
“O congresso resolve
exortar as organizações aderentes a realizar em todas as cidades e aldeias de
todos os países, no primeiro domingo de Agosto, manifestações antimilitaristas
em comemoração do início da grande guerra mundial. Esses actos podem ser
empreendidos em comum com outras organizações que não possam ser
responsabilizadas pelo rebentar da grande guerra”.
Que o proletariado de
todos os países demonstre no primeiro domingo de Agosto a sua oposição unânime
contra a guerra e a sua aspiração por um novo sistema de vida.
Abaixo o militarismo,
viva a revolução social!
Com a
instauração da ditadura em Portugal a prioridade foi a luta antifascista, pelo
que alguns anarquistas passaram a colaborar com outros opositores ao regime
enquanto outros como o açoriano Adriano Botelho, “mantiveram-se apolíticos,
antigovernamentais, antimilitaristas”.
Terminámos,
este texto com a apresentação de três citações sobre a guerra e o militarismo:
do anarquista Neno Vasco, do sindicalista-revolucionário, Perfeito de Carvalho
e do anarcossindicalista, Francisco Quintal.
Neno
Vasco, uma das principais figuras do anarquismo em Portugal, num artigo
intitulado “A guerra”, publicado no jornal brasileiro “A Lanterna”, escreveu o
seguinte:
“Entretanto,
uma guerra é uma aventura perigosa, pondo em risco poderosos interesses. Seria,
pois, modernamente evitável, mesmo independentemente dos esforços proletários,
se não houvesse uma categoria especial de interessados no estado de guerra
declarado ou latente: os construtores de couraçados e material de guerra, os
fornecedores do exército, o militarismo profissional. Amontoam-se armas e
soldados, cria-se um espírito agressivo e provocador, convence-se a massa, por
meio da grande imprensa, da iminência da guerra e da invasão, fomentam-se
ambições e paixões guerreiras. No fundo, o que se pretende são encomendas e
boas colocações. Mas vem um dia em que se inflamam os explosivos acumulados e
em que triunfam os interesses de carniça e de pilhagem. Há dezenas de anos que
a Europa corre desesperadamente para o abismo.
Que resultará
desta colossal guerra? Um longo eclipse da civilização? O desaparecimento das
magras liberdades conquistadas? O recuo do ideal socialista e libertário e da
organização operária? A revolução?
Angustioso
problema!
No princípio, a
multidão falsamente educada, vilmente ludibriada, está toda entregue às paixões
brutais, à embriagues guerreira, à loucura nacionalista – essa loucura de que o
insigne Jourès foi a primeira vítima ilustre. Mas com os efeitos da guerra virá
talvez a reflexão – e a revolta. Não talvez com as vastas finalidades da
revolução social, levada a cabo com maior desenvolvimento de força e de
consciência; mas rasgando em todo caso novos horizontes e novas possibilidades.
Melhor seria
que a guerra fosse impedida pela greve geral insurrecional. Em todo caso, houve
impotentes manifestações de protesto em todos os países: há progresso sensível
sobre o estado de espírito anterior à guerra de 70, coroada depois com a Comuna
de Paris…”
Francisco
Perfeito de Carvalho, que foi secretário-geral da União Operária Nacional, na
altura em que dirigia o jornal madeirense “Trabalho e União”, foi preso e
deportado para o continente por ser um feroz opositor à participação de
Portugal na I Grande Guerra-
Em 1915,
escreveu no jornal mencionado:
“Guerra à guerra, pois! Guerra aos seus
sinistros causadores! Guerra à organização social presente, prenha de absurdo e
iniquidades, repleta de vícios e antagonismos! Guerra aos que, na perseguição
de odiosas ambições não exitam em provocar a temerosa hecatombe - nos campos de
batalha um mar de sangue, nas povoações enlutadas um oceano de lágrimas”.
Francisco
Quintal, que entre 1927 e 1929 esteve deportado em Angola e que foi preso em
1932, num texto intitulado “A campanha anti-militarista deve intensificar-se”,
publicado em “A Batalha-Suplemento Literário e
Ilustrado”, em 1925, escreveu o seguinte:
“As Juventudes Sindicalistas delinearam
claramente os seus propósitos de instrução e educação como acção especial que
lhes compete.
As Juventudes Sindicalistas têm a ajuntar
a esta acção cultural e digna de todos os aplausos, a acção anti-militarista.
Compete-lhes sobretudo esta acção.
Os jovens não devem ir para a tropa,
devem reagir por todas as formas contra essa exigência criminosa, contra esse
tributo de sangue proletário consagrado ao capital.
E devem estabelecer uma bem orientada
propaganda anti-militarista conjugada com todos os núcleos do país e que
merecerá, tenho a certeza, o concurso de todos os revolucionários.”
Bibliografia
Fontes, C. (2022). Anarquismo em Portugal
(1796-2021). https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2021/09/10/anarquismo-em-portugal-1796-2021/ (consultado a 21 de maio de 2023)
Medina, J. (1986). Portugal na Grande
Guerra “Guerristas” e “Antiguerristas”. Lisboa, Centro de História da
Universidade de Lisboa/ Instituto Nacional de Investigação Científica.
A Batalha-Suplemento Literário e
Ilustrado, Nº 91, 24
de Agosto de 1925.
https://www.marxists.org/portugues/vasco/1914/08/02.htm
Arquivo MOSCA
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