terça-feira, 5 de maio de 2015

Insígnias, Panteão e Antero de Quental


Insígnias, Panteão e Antero de Quental

Tem surgido na comunicação social e nas redes sociais alguma controvérsia sobre alguns dos nomes indicados para serem distinguidos pela Assembleia Legislativa Regional. Dizem uns que determinadas personalidades tiveram um papel na história recente dos Açores que, independentemente das ideologias ou ideias defendidas, deviam ver o seu mérito ser reconhecido, argumentam outros que há feridas na sociedade açoriana que ainda não estão saradas pelo que alguns nomes deverão aguardar por outros tempos.

Pensamos que o facto de uma determinada personalidade ou instituição não ter sido escolhida pelo parlamento açoriano pouco significado tem, atendendo a que aquela “obrigação” anual já se banalizou de tal modo que muito haveria a dizer sobre os ou alguns dos escolhidos.

Por outro lado, que importância tem determinada pessoa, normalmente a título póstumo, ou instituição estar entre os eleitos pelo consenso dos deputados quando o que ela sempre defendeu em vida é espezinhado diariamente pela maioria daqueles?

Sobre os reconhecimentos feitos pelas mais diversas instituições, oficiais ou outras, a seguinte frase de Mark Twain não precisa de mais comentários: “É melhor merecer honrarias e não recebê-las do que recebê-las sem as merecer.”

A nível nacional, a situação não difere da que acontece nos Açores, aliás alguns açorianos são bons a copiar o que de mal feito se faz noutras paragens, de tal modo que muitos são os escolhidos e muitos mais são os ignorados pelos detentores do poder que sobretudo não perdoam a quem tem uma vida independente, não se curvando perante os diversos grupos de pressão e interesses instalados.

Em Portugal continental, há a acrescentar a moda das idas dos restos mortais para o Panteão Nacional que a mim pouco diz.
O mais recente caso, que levantou alguma, pouca, polémica foi o do futebolista Eusébio da Silva Ferreira, cuja ida para o Panteão foi aprovada por unanimidade na Assembleia da República. Quanto a mim, embora preferisse que Eusébio estivesse ainda entre nós, mas ninguém pode contrariar a lei da vida, o seu verdadeiro panteão é o Estádio da Luz e todos os estádios, campos, ruas, canadas, etc., onde esteja alguém a praticar futebol.

No que respeita a Antero de Quental, em 1921, o jornal Correio dos Açores deu voz a várias personalidades que se manifestaram contra a trasladação das cinzas de Antero de Quental para o panteão.

Humberto de Bettencourt, no dia 20 de fevereiro de 1921, depois de referir a existência de uma comissão para tratar da “trasladação solene das cinzas d’Antero de Quental para o Panteon dos Jerónimos, a realizar em abril próximo, na data aniversaria do nascimento do Poeta”, a dado passo do seu artigo pede à referida comissão para desistir do seu intento e termina-o com as seguintes palavras: “As cinzas do grande Poeta são um inestimável tesouro para nós. Queremol-as aqui sempre connosco, como objecto d’enternecida veneração e acendrado culto, e não sairão d’esta Ilha sem o meu mais veemente protesto”.

Sobre o mesmo assunto, Luís Ribeiro, a 1 de Maio do mencionado ano, escreveu o seguinte: “mas não me sofre o ânimo vê-lo assim levar para longe de nós, para o confuso turbilhão da capital, em obediência ao prurido centralistas de riquezas e glórias, que encerra na prisão dourada das Janelas Verdes os nossos melhores tesouros artísticos, espalhados por toda a parte, nas poeirentas gavetas da Torre do Tombo os documentos históricos das mais distantes localidades, ou na nave sumptuosa dos Jerónimos as carcaças dos nossos homens”.

Numa carta dirigida a Aristides da Mota, publicada no Correio dos Açores a 19 de Junho do mesmo ano, o Dr. Luis de Magalhães escreveu o seguinte: “Não Micaelenses, não deixeis que vos despojem disso que é legitimamente vosso, d’esses restos que foram um legado da grande alma que outrora os animou. Defendei a última vontade do vosso ilustre patrício. Está onde queria estar”.

Venerado na Primeira República, idolatrada pelo menos uma parte da sua obra no Estado Novo, Antero de Quental quase caia no esquecimento não fosse a recente exposição "Antero- para além dos sonetos", louvável iniciativa da Biblioteca Municipal Tomaz Borba Vieira da Lagoa.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30623, 6 de maio de 2015, p.19)

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