quarta-feira, 19 de abril de 2017
Ilídio Sardoeira, o professor
Ilídio Sardoeira, o professor
“ (…) Corri os riscos de haver sido professor durante quase meio século. Se pudesse recomeçar a minha vida, professor me queria, nessa aventura, entre afetiva e criativa que é aprender ensinando.” (Ilídio Sardoeira)
Em texto anterior, publicado no passado dia 4 de abril, dei a conhecer um pouco da vida e da obra do Dr. Ilídio Sardinheira, distinto professor da hoje denominada Escola Secundária Antero de Quental.
No mencionado texto, inseri o depoimento de dois dos seus alunos, o Doutor José Medeiros Ferreira e o Doutor João Vasconcelos Costa, que a ele se referiram em termos elogiosos. Hoje, antes de escrever um pouco sobre o seu pensamento enquanto professor, divulgo o depoimento do escritor picopedrense Cristóvão de Aguiar que no seu livro “Relação de Bordo, escreveu: “Ilídio Sardoeira era poeta e um grande “devoto” de Teixeira de Pascoais, que nos deu a conhecer no quinto ano do Liceu, levando-nos poemas do Poeta de Marânus, nas aulas de Ciências Naturais…Que belo que isto é! E que ventura é ter bons mestres na quadra genuína da vida…”
Depois de escrever que o Dr. Ilídio Sardoeira era “professor de Ciências Naturais e de sonho e de poesia, ou de tudo junto”, Cristóvão de Aguiar dá a conhecer o que pensava o mestre sobre o ofício de ensinar: “Um professor é um semeador. Não sabe quais as sementes que realmente ficam, mas não ignora que ele mesmo é uma parte da semente. É semeador e semente”.
De acordo com João Manuel Ribeiro, autor do livro “Ilídio Sardinheira: o caçador de madrugadas”, publicado em 2016, o Dr. Ilídio Sardinheira teve uma vida dedicada ao ensino, tendo lecionado “primeiro no Colégio de S. Gonçalo de Amarante durante quatro anos; depois, no Liceu Normal de Pedro Nunes, em Lisboa, onde fez o seu estágio de habilitação para a docência; finalmente, em muitos lugares do país: Évora, Figueira da Foz, Braga, Porto (Liceu D. Manuel II), Ponta Delgada (Liceu Antero de Quental), Viseu e Vila Nova de Gaia.”.
Como tive a oportunidade de conhecer através dos depoimentos dos seus alunos, o Dr. Ilídio Sardoeira estava longe de ser um professor tradicional, agarrado aos manuais, seguidor do conhecimento espartilhado pelas áreas de ciências e de letras e preso no interior das quatro paredes de uma sala de aula.
Sobre o ensino confinado à sala de aula, João Manuel Ribeiro, no livro citado, escreve que Ilídio Sardoeira “não queria que a escola fosse uma prisão para crianças onde se aprende amarrado às carteiras, ou um canteiro de plantas floridas cercado de arame farpado!”
Para se conhecer o pensamento do Dr. Ilídio Sardoeira sobre o ensino é importante a leitura do seu discurso proferido na Assembleia Constituinte, publicado no Diário da Assembleia Constituinte nº 118 de 12/03/1976. Dada a extensão do mesmo, apenas referirei algumas ideias chave, as quais ainda hoje não perderam atualidade.
Ao contrário do que pensam alguns, os problemas do ensino e os da sociedade não se resolvem na escola. Ilídio Sardoeira corrobora esta afirmação quando afirmou no discurso mencionado que: “os problemas centrais da degradação do ensino permanecem. São problemas, em grande medida, de raiz socioeconómica. Ao cabo e ao resto problemas que têm de encontrar primeiro as soluções políticas adequadas ao mundo dos adultos”.
Sobre a Escola, Ilídio Sardoeira, acrescentou que era “o espelho da sociedade; esta não transforma aquela, reprodu-la” e acrescentou: “Somos nós, os adultos, os responsáveis pelos fracassos escolares porque não temos a coragem de modificar radicalmente as condições, as contradições da sociedade portuguesa porque nos empenhamos em manter uma sociedade estratificada, caduca, per omnia secula seculorum, não é assim? E queremos depois que a escola resolva problemas que não tivemos a coragem de resolver nas ruas.”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31209, 19 de abril de 2017, p. 17)
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