terça-feira, 3 de outubro de 2017

Manuel Soares e o seu tempo (2)


Manuel Soares e o seu tempo (2)

Aos quinze anos meu avô, Manuel Soares, assistiu ao derrube da monarquia que como é sabido ocorreu no dia 5 de outubro de 1910.

O jornal monárquico, que nunca virou a casaca, “O autonómico”, a 15 de outubro do referido ano, recebeu a notícia da transformação do regime politico e, pela mão do seu diretor, afirmou o seguinte: “A implementação da república em Portugal é um facto sensacional. Se feliz ou infelizmente, verá e dirá quem mais vida tiver”.

Com o novo regime foi nomeado para o cargo de administrador do concelho o Dr. Mariano d’Arruda, talvez o mais influente político vila-franquense da 1ª República, que de acordo com o jornal mencionado foi merecido pois aquele “se tem manifestado um fervoroso apóstolo da República e dado provas de competente e prudente para as atuais circunstâncias”.

Em 1916, no dia 12 de agosto, Manuel Soares fez a inspeção sanitária para o serviço militar, tendo sido “apurado definitivamente” para a infantaria. Das informações constantes na caderneta consta o seguinte: possuía a altura de 1 metro, 71 centímetros e 5 milímetros e apresentava os seguintes sinais particulares: cicatrizes na testa e na face esquerda e sinais de cor castanha pelo rosto.

Entrou para a tropa no dia 12 de janeiro de 1917, no Regimento de Infantaria nº 26, ficou pronto da instrução de recruta no dia 10 de abril de 1917 e licenciou-se em 31 de junho de 1919.

Na caderneta militar consta ainda a seguinte informação, que contradiz o certificado de habilitações: habilitações literárias e profissionais antes do serviço militar “Ler e escrever mal (2º grupo).

Quando meu avô foi cumprir o serviço militar, o mundo já estava em plena Guerra Mundial (28 de julho de 1914 - 11 de novembro de 1918) e Portugal que, segundo José Pacheco Pereira, participava “na guerra para defender os seus direitos coloniais e para se candidatar a parte das possíveis reparações alemães” estava prestes a assistir ao verdadeiro cataclismo que ocorreu a 9 de abril de 1918. Segundo, Luís Almeida Martins, naquele dia “morriam 614 militares portugueses e 6585 eram feitos prisioneiros” na Batalha de La Lys.

Estava meu avô a cumprir o serviço militar quando ocorreu um surto de gripe espanhola. Conta ele que transportava doentes e que comia e bebia parte dos alimentos que a estes eram destinados e que era recusado por eles dado o seu estado de saúde. Dizia ele que tinha de comer para ficar forte e não ser atingido pela doença e “ria-se” por não ter ficado doente.

Sobre a gripe espanhola que teve duas vagas em 1918, uma na primavera e outra nos finais de julho/início de agosto e em 1919 e 1920, o historiador Luís Almeida Martins, escreveu: “O mesmo não se pode dizer da tristemente célebre “pneumónica” que em 1919 e 1920 se abateu sobre quase todo o mundo, ceifando pelo menos 50 milhões de vidas, 120 mil das quais de cidadãos portugueses”.

A confirmar as memórias de meu avô o historiador Sérgio Rezendes, no seu livro “A Grande Guerra nos Açores- Património e Memória Militar”, escreveu: “ A epidemia já havia atingido uma tal dimensão que começavam a faltar para além de médicos e enfermeiros, os auxiliares de enfermaria, os faxinas e os operários que acabariam por ser substituídos por soldados do Exército”. O mesmo autor, no livro mencionado, também refere que também foram “atacadas algumas praças do RI 26”, precisamente o Regimento de Infantaria de que meu avô fazia parte.

Sobre os efeitos da gripe espanhola em Vila Franca do Campo, o jornal “O Autonómico”, de 9 de novembro de 1918, referiu o seguinte: “ A epidemia que, por infelicidade, não nos poupou, vai-se alastrando consideravelmente por todo o concelho, de dia para dia, sendo já grande o número de pessoas atacadas; porém atualmente, mercê de Deus, nenhuma com sintomas de gravidade” e acrescenta que “até agora, apenas dois óbitos se registaram: um, por falta de mais cautela d’um rapaz novo, casado, deixando viúva e três filhinhos, e outro, por a epidemia bater à porta d’um doente, já adiantado em anos e cansado bastante das grandes lutas pela vida”.

(continua)
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31347, 4 de outubro de 2017, p.10)

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