quarta-feira, 11 de setembro de 2019

A propósito de Decrescimento e Educação



A propósito de Decrescimento e Educação

Em texto anterior dei a conhecer um pouco do movimento internacional que é designado por “decrescimento” e que acredita que a atual crise económica, social e ambiental só pode ser superada fora do sistema capitalista, isto é, através do abandono do atual modelo de desenvolvimento produtivista e da crença cega de que a ciência e a tecnologia serão capazes de resolver os problemas atuais.

Apodado como utopia perigosa, projeto reacionário, coisa de ingénuos, por todos os que seguem o modelo de desenvolvimento atual, mesmo os que o adjetivam como sustentável, o decrescimento é um movimento militante que ganha adeptos em todo o mundo.

Ao contrário de alguns movimentos pedagógicos que acreditam que a escola é uma ferramenta para a mudança da sociedade, bastando para tal mudar as estratégias usadas nas salas de aula, os adeptos do decrescimento consideram que a escola atual tem pouco de democrática e que a sociedade só se muda se as alterações forem feitas dentro e fora dos muros da escola.

Na escola de hoje, pensa-se cada vez menos na formação integral dos indivíduos e mais na preparação para a ocupação de um posto de trabalho. Sobre este assunto Enrique Gutiérrez, no seu texto “Decrescimento e Educacion”, que faz parte do livro “Decrescimientos sobre lo que hay que cambiar em la vida cotidiana”, editado em 2010, por Los Libros de la Catarata, escreveu o seguinte:

“A finalidade não é pensar e ajudar a mudar a sociedade através da educação para torná-la mais justa, mais sábia, máis universal, mais equitativa, mais compreensiva: do que se trata é adaptar a educação para que seja útil às mudanças que se estão produzindo na economia e na sociedade.”

Se é verdade que a escola não pode ignorar o mercado de trabalho, também é verdade que a escola não se pode reduzir a satisfazer os interesses das empresas privadas ou não, através da criação de mão de obra dócil e flexível.
A escola de hoje, não educa para a democracia participativa nem para a formação de cidadãos civicamente empenhados por mais disciplinas de Cidadania que se criem, pois o seu funcionamento em termos democráticos deixa muito a desejar, mesmo se falarmos em democracia representativa, de que são exemplos, a não circulação de informação por parte dos Conselhos Executivos, as deliberações dos Conselhos Pedagógicos, sem que sejam ouvidos os professores, a quase (sempre) ausência dos pais e dos alunos e as Assembleias de Escola em que os seus membros não prestam contas a ninguém. O associativismo estudantil anda pelas ruas da amargura, isto é, ou não existe ou quando existe limita-se aos períodos de campanha eleitoral, onde se copia o que de pior têm as campanhas partidárias, onde por vezes nem uma única ideia se apresenta.

Face ao exposto, como muito bem escreveu Gutiérrez, não pode ser considerado um desperdício de dinheiros públicos o papel da escola como “campo de treino para a democracia e para a cidadania democrática”.

Numa sessão a que assisti recentemente, tive a oportunidade de ouvir uma docente a mostrar a sua satisfação pelo facto de um aluno que se recusava a fazer fosse o que fosse ter mudado um pouco a sua atitude, pois ela descobriu que ele se interessava por notícias sobre touradas ou em que “houvesse muito sangue”, passando a usá-las para o motivar a aprender algo, o que havia conseguido.

Embora à primeira vista, tenha sido um sucesso que todos devemos aplaudir, fiquei muito preocupado pois, durante a apresentação de quase meia hora. nem uma palavra foi proferida sobre valores, isto é, não foram questionadas as touradas, mesmo não tomando qualquer posição a favor ou contra as mesmas e nem uma palavra sobre a violência.

Para os defensores do decrescimento, na escola e na vida diária de cada um há que alterar valores, como, por exemplo, à propriedade e ao consumo ilimitado opor o altruísmo e a redistribuição de recursos, optar pela sobriedade e pela simplicidade voluntária e recusar a manipulação e a criação de necessidades artificias pela publicidade enganosa.

Por último, a escola tem de ser convertida numa comunidade de aprendizagem, onde os alunos não sejam apenas caixas recetoras e onde todos participem na construção de uma sociedade mais justa.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31925, 11 de setembro de 2019, p.14)






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