O
Primeiro de Maio em São Miguel no início do século XX
Em 1901, no dia
28 de abril, o jornal “O Repórter” ao mesmo tempo que divulga o programa das
comemorações do 1º de Maio, em Ponta Delgada, marca bem a sua posição em
relação ao porvir das sociedades: “Não será pela revolução, flagelo horrível
que arruína os povos, que o operário obterá o que pede e que de justiça lhe
compete: mas pela evolução, pelo cultivo de inteligência do operário futuro
que, abertos os olhos à luz da Razão, enérgica e altivamente caminharão na
conquista das suas reivindicações”.
Naquele ano, o
programa foi semelhante ao dos anos anteriores. Uma alvorada, pela manhã,
oferta de jantar aos presos e aos pobres e espetáculo, à noite, no Cine-Teatro.
Em 1902, voltou
a ser “O Repórter”, com Alfredo da Câmara à cabeça, a organizar o 1º de Maio,
com um programa semelhante aos dos anteriores.
Naquele ano, “O
Repórter”, de 27 de abril, dedicou muito do seu espaço ao primeiro de maio. Com
efeito, há textos de F. d’Oliveira, Xavier de Paiva, Gomes Leal e Antero de
Quental. Este, começa o seu texto assim: “O capital, por si, é estéril: a
terra, as máquinas, o dinheiro, por si, nada produzem: só o trabalho, lançando
mão desses instrumentos, lhe dá valor, poder, vida, fecundidade”.
Alfredo da
Câmara, de tendência socialista, mas membro do partido regenerador, organizou
as comemorações do 1º de Maio até ao ano de 1904. Depois dele, em 1905, as
comemorações foram do “socialista libertário”, pintor da construção civil,
Francisco Soares da Silva.
Sobre o ocorrido
em 1906, no jornal, de Alice Moderno, “A Folha”, de 6 de maio daquele ano,
podemos ler o seguinte: “Realizaram-se nesse dia os costumados festejos em que
a classe operária afirma a sua solidariedade mundial. Foi promotor das mesmas o
hábil pintor sr. Francisco Soares da Silva. Por ocasião da sua passagem por
esta redação, teve o cortejo a amabilidade de lhe fazer os seus cumprimentos o
que sinceramente agradecemos.”
Não sabemos se o
1º de Maio foi comemorado em 1907, mas se o foi, não contou com a organização
de Francisco Soares Silva que naquele ano deslocou-se a Lisboa para assistir ao
que lá se fazia.
Numa carta,
publicada no jornal A Plebe, no dia 1 de junho de 1907,
Francisco Soares Silva justifica a sua ausência nos seguintes termos:
“Não
pensem os operários micaelenses que fugi ao dia 1º de Maio, com medo dos meus
adversários.
Tenho
já perto de 60 folhetos de propaganda socialista e adquiri já muitos estatutos
de várias associações de classe, para ver se nós operários nos erguemos do
marasmo em que vivemos.
O
1º de Maio daqui para o futuro será um dia de luta e não um dia de festas.
Não
julguem os operários de Ponta Delgada que se acabou o glorioso dia do 1º de Maio.
Acabou-se
sim, o dia 1º de Maio das festas com carros alegóricos, bandeiras e foguetes,
mas começou o primeiro de maio de luta pelas reivindicações operárias.”
Em 1908,
Francisco Soares Silva organizou as comemorações do 1º de Maio com uma romagem de
operários, da Rua do Gaspar até ao cemitério, onde foi “depositada uma coroa de
flores sobre o túmulo do primeiro filósofo português, do poeta dos sonetos, do
socialista imaculado e do livre pensador Antero de Quental”. À noite houve uma
conferência na escola União dos Operários. No mesmo dia, foi distribuído o
primeiro número do jornal “Vida Nova” que se publicou até setembro de 1912.
Terminamos com um extrato do
discurso de Soares da Silva:
“Qual
seria a ideia de Antero de Quental, fazendo-se operário em Paris, depois da sua
formatura em Direito? Que necessidades levaram este ilustre filósofo a fazer-se
operário? Ah! Camaradas, este ponto é de grande responsabilidade e neste caso
calar-me-ei. E sabeis porque é grande responsabilidade? Porque eu tinha de ser
imparcial ao demonstrar o carácter de Antero, comparando-o com muitos que no
inicio da sua vida politica, vêm enrolados na sua capa académica, com o
pseudónimo de democratas, defendendo com muita retórica os direitos do povo, e
depois de conseguirem o que desejam, vendem as suas ideias e convicções (se
algum dia possuíram!) para se tornarem inimigos acérrimos das classes que
defendiam com tanta verbosidade.”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32175, 8 de julho de 2020, p.16)
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