quarta-feira, 17 de maio de 2017

SOCIALISMO E GAVETAS


SOCIALISMO E GAVETAS

Terá sido na sequência de uma decisão da Primeira Internacional (AIT) que foi constituído em Portugal o Partido Socialista que contou com o contributo de, entre outros, Azedo Gneco, operário gravador na Casa da Moeda e com um pensamento muito próximo das ideias de Karl Marx, José Fontana, de nacionalidade suíça, encadernador, depois caixeiro e sócio-gerente da Livraria Bertrand e um grande adepto do cooperativismo, Nobre França, tipógrafo que foi o primeiro secretário da Secção Portuguesa da AIT e redator do primeiro programa daquele partido e Antero de Quental, que dispensa qualquer apresentação.

A participação do partido socialista, quer durante a monarquia, quer na Primeira Rrepública, traduziu-se num fracasso já esperado, pois os potenciais votantes, os trabalhadores, não podiam votar por serem na sua esmagadora maioria analfabetos. Sobre as eleições, Antero de Quental, que foi convidado para ser candidato a deputado afirmou: “ Não pretendo ser deputado. Sei, porém, que não é também isso que o P.S. tem em vista, mas propriamente marcar e definir, com um voto, a sua posição no tereno político. A candidatura neste caso é mais um pretexto, uma ocasião”.

Na Primeira República, alguns ideais do Partido Socialista foram esquecidos, surgiram divergências várias entre os que socialistas favoráveis à participação de Portugal na Guerra Mundial e os que se opunham e a participação de socialistas nos governos levaram ao afastamento de muitos militantes. Para além do declínio da organização, os socialistas que chegaram a ter muita influência nos sindicatos e a controlar o movimento cooperativo perderam terreno para os sindicalistas revolucionários.

A atuação dos socialistas foi criticada, por Bento Gonçalves, que foi secretário-geral do Partido Comunista Português, fundado a 16 de março de 1921, nos seguintes termos:
“Fora o Partido Socialista um partido revolucionário e o proletariado português teria, em 1910, decidido as suas reivindicações dessa época e firmaria melhor as suas posições. Mas quem tinha a palavra era um partido oportunista, um partido que desviava a classe operária do seu justo caminho, colocando-a à mercê dos interesses da burguesia republicana”.

Já durante o Estado Novo, António Sérgio, que esteve refugiado em França, tentou uma aproximação ao que restava do Partido Socialista, tendo, segundo José Hipólito dos Santos, num jantar do 1º de Maio realizado em 1947, apresentado uma proposta de construção do socialismo baseado no cooperativismo, tal como preconizava José Fontana, quando escreveu: “Queremos a emancipação económica do proletariado pelas sociedades cooperativas de produção e de consumo, organizadas de modo que os produtos sejam dos produtores – o que vale o mesmo que dizer: acabe-se a exploração do homem pelo homem.” De acordo com José Hipólito dos Santos, as propostas de António Sérgio “foram recebidas com as maiores reservas- ele era considerado como um intelectual desligado das realidades nacionais, um homem que gostava de falar e de falar bem, mas o socialismo não se coaduna com utopias…”

Em 1973, aquando da sua fundação, o Partido Socialista, na sua Declaração de Princípios, declarava que tinha “por objetivo a edificação de uma sociedade sem classes, em que os trabalhadores serão produtores associados, o poder, expressão da vontade popular e a cultura, obra da capacidade de todos” e repudiava “o caminho daqueles movimentos que, dizendo-se social-democratas ou até socialistas acabam por conservar deliberadamente ou de facto as estruturas do capitalismo e servir os interesses do imperialismo”.

Hoje, não sei se haverá algum militante socialista que se reveja na Declaração de Princípios mencionada.

Na declaração que está em vigor, aprovada no congresso realizado em 2002, a linguagem está mais suavizada e os objetivos são tão vagos que poderiam ser subscritos por pessoas dos mais diversos quadrantes político-partidários, como se pode constatar pelo seguinte extrato, onde é preconizada: “ uma sociedade mais livre, mais justa, mais solidária, mais pacífica, através do aperfeiçoamento constante e do desenvolvimento harmonioso da democracia”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31231, 17 de maio de 2017, p.18)



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