quarta-feira, 10 de maio de 2017

O sonho de Gonçalves Correia na Revista Pedagógica


O sonho de Gonçalves Correia na Revista Pedagógica

A professora Maria Evelina de Sousa fundou e dirigiu a “Revista Pedagógica”, que se apresentava como órgão do professorado oficial açoriano e que, entre 1909 e 1915, esteve ao serviço da educação e dos professores.

Quem tiver a oportunidade de ler a revista, facilmente toma conhecimento de que a mesma estava aberta a várias opiniões, algumas delas não coincidentes com as da diretora da revista, e a várias correntes do pensamento, como o anarquismo de que é exemplo a publicação de um texto do anarquista tolstoiano António Gonçalves Correia (1886-1967).

O anarquista, vegetariano, ensaísta, poeta e humanista Gonçalves Correia esteve de passagem na ilha de São Miguel, em 1910, tendo conversado com Francisco Soares Silva diretor do jornal “Vida Nova” e tudo leva a crer que terá feito o mesmo com Maria Evelina de Sousa. O resultado foi a publicação do texto “O presente e o futuro”, datado de 29 de dezembro de 1910, publicado no número 167, de 9 de fevereiro de 1911, da Revista Pedagógica.

Dado o interesse do mesmo para quem quer conhecer melhor o pensamento de Gonçalves Correia e para quem não se conforma em viver numa sociedade injusta, abaixo transcrevemos um longo extrato:

Sobre a situação que então se vivia podemos ler:

Vergados ao peso brutal e desumano do maldito fardo posto aos seus ombros enfraquecidos, jungidos à canga infamíssima que a ordem burguesa criou, ei-los que passam tristes, os pobres proletários desprotegidos, sofrendo os horrores indescritíveis que uma sociedade madrasta lhes criou.
….
Pobres que tendes de ver com fome os vossos filhos! Pobres que sentis partir o coração por não lhes poderdes satisfazer as mais imperiosas necessidades! Pobres que deixais morrer a companheira querida, tantas vezes a vossa maior alegria, a vossa maior consolação!

Quem sois vós!
Os degraus preciosos por onde sobem milhares de parasitas, a escada apetecida dos mais tirânicos burgueses!”

Sobre a sociedade futura, o autor de “Estreia de um Crente” e “A Felicidade de todos os Seres na Sociedade Futura” escreveu:

“Soberba de vegetação e verdura, riquíssima de águas cristalinas, e de avezinhas multicores, eis ante os meus olhos famintos do Belo a encantadora planície onde se erguem com orgulho majestosos chalets de formas várias, partes constituintes d’uma comuna fraternal e solidária, cujos habitantes, pondo de parte egoísmos do passado e vaidades que esqueceram, se amam, se compreendem, se solidarizam irmãmente, sabendo compreender a sua missão social até ao ponto de exigirem de cada um segundo as suas forças e de darem a cada um segundo as suas necessidades. As asas repelentes e agourentas da miséria não visitam aquele ponto ideal, enxotadas criteriosamente pelos seus habitantes que souberam atacá-las coletivamente, que compreenderam a tempo a beleza incomparável do comunismo livre.

Desgraças naquele paraíso?

É doença que por lá não medra porque a caudalosa corrente de solidariedade que ali se pratica não permite a sua propagação.

Tudo é livre e, ao mesmo tempo, tudo é criterioso. Todos amam e todos são felizes.

Ricos? Não há.

Pobres? Também não.

Pois? Solidariamente, coletivamente, fazem a riqueza da comuna, arrancando à terra, a mãe querida do homem, tudo que constitui os seus prazeres, os seus risos, as suas felicidades.

Vida de lágrimas e de crimes, trocada por uma vida de amor e de Justiça!”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31225, 10 de maio de 2017, p.17)

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