quarta-feira, 24 de maio de 2017
A alimentação vegetariana e o pioneirismo de Amílcar de Sousa
A alimentação vegetariana e o pioneirismo de Amílcar de Sousa
“Leitor! Queres ter saúde? Entrega-te à Natureza, cumpre as suas leis, não a ofendas. E serás outro homem, amarás a Verdade e o Bem e a Moral” (Amílcar de Sousa, O Vegetariano, Janeiro de 1914)
A 17 de abril deste ano, a Assembleia da República aprovou a Lei nº11/2017 que estabelece a obrigatoriedade da existência de uma opção vegetariana nas ementas das cantinas e refeitórios públicos.
De acordo com a referida lei, a obrigatoriedade depende de haver procura e em caso desta ser pequena “as entidades gestoras das cantinas podem estabelecer um regime de inscrição prévio de consumidores da opção vegetariana”.
A lei é também clara quando define opção vegetariana como “a que assenta em refeições que não contenham quaisquer produtos de origem animal”. Trata-se, portando, da opção alimentar que é conhecida como vegetarianismo estrito que, segundo a Associação Vegetariana Portuguesa, “para além da carne, exclui todos os alimentos de origem animal, como laticínios, os ovos e o mel”.
O caminho para chegar à situação atual foi muito longo, milenar. Com efeito, se várias pessoas ao longo dos tempos fizeram a sua alimentação excluindo quaisquer produtos de origem animal, as organizações vegetarianas são mais recentes, tendo a primeira surgido em 1847, em Manchester. Em Portugal, só em 1908 (ou 1911?), surgiu a SVP - Sociedade Vegetariana de Portugal, e nos Açores, em 2016, foi criada a Associação Vegana dos Açores.
Se há dúvidas quanto à data de fundação da SVP, há consenso quanto ao pioneiro do vegetarianismo em Portugal, apontando todos os autores o nome do médico Amílcar Augusto Queirós de Sousa, que nasceu em Cheires, Alijó, em 1876, e faleceu, em 1940, no Porto.
Formado em medicina pela Universidade de Coimbra, Amílcar de Sousa fundou e dirigiu a revista mensal “O Vegetariano” e foi responsável pela criação da Sociedade Vegetariana de Portugal, tendo sido o seu primeiro presidente.
Para além da sua dedicação à divulgação do vegetarianismo, Amílcar de Sousa escreveu vários livros sobre saúde, alimentação, o vegetarianismo e a paz, tendo escrito uma novela intitulada “Redenção”.
Amílcar de Sousa foi, também, um grande adepto do pedestrianismo. Com efeito, caminhava dezenas de quilómetros a pé, descalço, sem apresentar sinais de cansaço, tendo uma vez percorrido mais de 160 km, de Lisboa a Sines.
Amílcar de Sousa era conhecido nos Açores, quer através da revista “O vegetariano”, que tinha alguns assinantes no arquipélago, quer através dos jornais. Um deles, o jornal “A República”, em 1915, publicou uma reportagem sobre “A religião do naturismo” que inclui uma entrevista com aquele médico.
Embora não esteja correto classificar o naturismo como uma religião, pela leitura das respostas de Amílcar de Sousa ficamos a saber que também não é uma mera questão de alimentação, como se poderá constatar através do extrato seguinte:
“As cadeias estão cheias de criminosos, e foi principalmente o uso do álcool que os levou ao crime. Os hospitais estão a abarrotar de doentes, devido às complicações da culinária. A vida é cada vez mais onerosa, pelas exigências do estomago. Ora, com o naturismo, dispensando todas as bebidas, e por consequência o álcool, não se cria criminosos; não precisando da cozinha, evita a maior parte das doenças; limitando aos frutos a alimentação, estabelece o equilíbrio da economia doméstica”.
Perguntado se com o naturismo as doenças desapareceriam, respondeu, citando um “escritor inglês: Se todos os homens fossem naturistas, os médicos passariam a cultivadores de frutos”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31237, 25 de maio de 2017, p.14)
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