A Pandemia de 1918 em Vila Franca do Campo
Estou a escrever este texto, onde darei a conhecer
alguns dados sobre uma pandemia que atingiu Vila Franca do Campo, em 1918, a
pensar em meu avô Manuel Soares que a viveu enquanto estava cumprir o serviço
militar e em minha tia Zélia Soares que
hoje, 27 de março de 2020, faz 90 anos e que está a viver a pandemia do
coronavírus (COVID.19), sem compreender por que não pode sair de casa e ir para
o Centro de Dia, na Casa do Povo do Pico da Pedra.
Antes de ir ao assunto, queria referir que é urgente
uma nova relação entre o homem e a natureza, mais respeitadora desta, o que só
será possível quando o motor da vida na Terra não for o lucro a qualquer preço
e a ânsia de produzir e consumir desenfreadamente, mas a solidariedade entre as
pessoas e uma melhor utilização dos recursos naturais.
De acordo com alguns especialistas, 75% das doenças infeciosas
têm origem na vida selvagem e a procura, em todo o mundo, de produtos de origem
animal “pode colocar os seres humanos em risco de surtos como a pandemia de
coronavírus”.
Em 1918, meu avô estava a cumprir o
serviço militar no Regimento de Infantaria RI 26 e durante a gripe espanhola (pandemia de influenza), teve que
transportar “mortos” do hospital para o cemitério. Contava ele, com alguma
vaidade que, na altura, comia e bebia alimentos que eram destinados aos doentes
e que estes recusavam, dizendo que tinha de comer bem para ficar forte e não
ser atingido pela doença. Também contou que uma ou duas vezes terá deixado os
corpos na capela do cemitério e que no dia a seguir tinha verificado que os
mesmos não estavam na mesma posição.
Confinado
em casa, não tendo, portanto, acesso a muita bibliografia, para descrever o que
terá acontecido em Vila Franca do Campo em 1918, vou recorrer, apenas, a um
artigo publicado no jornal “Autonómico”, no dia 9 de novembro de 1918.
Depois de
referir que “a epidemia que, por infelicidade, não nos poupou, vai-se
alastrando consideravelmente por todo o concelho, de dia para dia, sendo já
grande o número de pessoas atacadas; porém atualmente, mercê de Deus, nenhuma
com sintomas de gravidade”, o autor contradiz-se ao afirmar que “até agora,
apenas dois óbitos se registaram: um, por falta de mais cautela d’um rapaz
novo, casado, deixando viúva e três filhinhos, e outro, por a epidemia bater à
porta d’um doente, já adiantado em anos e cansado bastante das grandes lutas
pela vida”.
Pela
leitura do texto, verifica-se que, em 1918, o que valeu aos mais desfavorecidos
foi a caridade dos que mais possuíam, ricos e remediados, e que os tratamentos se
resumiam a ir à cama por alguns dias e passar a leite e a caldos.
O jornal
também relata as condições sub-humanas em que viviam algumas pessoas em 1918,
como se pode constatar através do seguinte extrato:
“E já que falamos do hospital, permitam-nos os
leitores que lhe contemos a miséria que pela nossa terra vai e que ali mais se
vai descobrindo agora!
Alguns doentes nem camisa têm par se mudarem!...
…
Estamos certos, até, que muitas pessoas
honestas, com vergonha, a forças do coração teimarão em ficar em casa, por
carecerem de roupas que se apresentem no hospital.
Ah! Quantas?!!!”
Depois de
mencionar um conjunto de pessoas que se ofereceram para fazer serviço de
enfermagem, de referir o trabalho incansável das comissões locais de
assistência e vigilância, de enaltecer o trabalho dos médicos que “não se
poupam a sacrifícios e esforços no cumprimento dos seus deveres profissionais”,
o jornal faz um apelo “aos corações generosos da nossa terra” para contribuírem
para uma subscrição destinada a “socorrer a pobreza enferma”.
Teófilo
Braga
(Correio
dos Açores, 32098, 4 de abril de 2020, p.17)
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