sábado, 4 de abril de 2020

A Pandemia de 1918 em Vila Franca do Campo




A Pandemia de 1918 em Vila Franca do Campo

Estou a escrever este texto, onde darei a conhecer alguns dados sobre uma pandemia que atingiu Vila Franca do Campo, em 1918, a pensar em meu avô Manuel Soares que a viveu enquanto estava cumprir o serviço militar e em minha  tia Zélia Soares que hoje, 27 de março de 2020, faz 90 anos e que está a viver a pandemia do coronavírus (COVID.19), sem compreender por que não pode sair de casa e ir para o Centro de Dia, na Casa do Povo do Pico da Pedra.

Antes de ir ao assunto, queria referir que é urgente uma nova relação entre o homem e a natureza, mais respeitadora desta, o que só será possível quando o motor da vida na Terra não for o lucro a qualquer preço e a ânsia de produzir e consumir desenfreadamente, mas a solidariedade entre as pessoas e uma melhor utilização dos recursos naturais.

De acordo com alguns especialistas, 75% das doenças infeciosas têm origem na vida selvagem e a procura, em todo o mundo, de produtos de origem animal “pode colocar os seres humanos em risco de surtos como a pandemia de coronavírus”.

Em 1918, meu avô estava a cumprir o serviço militar no Regimento de Infantaria RI 26 e durante a gripe espanhola (pandemia de influenza), teve que transportar “mortos” do hospital para o cemitério. Contava ele, com alguma vaidade que, na altura, comia e bebia alimentos que eram destinados aos doentes e que estes recusavam, dizendo que tinha de comer bem para ficar forte e não ser atingido pela doença. Também contou que uma ou duas vezes terá deixado os corpos na capela do cemitério e que no dia a seguir tinha verificado que os mesmos não estavam na mesma posição.

Confinado em casa, não tendo, portanto, acesso a muita bibliografia, para descrever o que terá acontecido em Vila Franca do Campo em 1918, vou recorrer, apenas, a um artigo publicado no jornal “Autonómico”, no dia 9 de novembro de 1918.

Depois de referir que “a epidemia que, por infelicidade, não nos poupou, vai-se alastrando consideravelmente por todo o concelho, de dia para dia, sendo já grande o número de pessoas atacadas; porém atualmente, mercê de Deus, nenhuma com sintomas de gravidade”, o autor contradiz-se ao afirmar que “até agora, apenas dois óbitos se registaram: um, por falta de mais cautela d’um rapaz novo, casado, deixando viúva e três filhinhos, e outro, por a epidemia bater à porta d’um doente, já adiantado em anos e cansado bastante das grandes lutas pela vida”.

Pela leitura do texto, verifica-se que, em 1918, o que valeu aos mais desfavorecidos foi a caridade dos que mais possuíam, ricos e remediados, e que os tratamentos se resumiam a ir à cama por alguns dias e passar a leite e a caldos.

O jornal também relata as condições sub-humanas em que viviam algumas pessoas em 1918, como se pode constatar através do seguinte extrato:

“E já que falamos do hospital, permitam-nos os leitores que lhe contemos a miséria que pela nossa terra vai e que ali mais se vai descobrindo agora!
Alguns doentes nem camisa têm par se mudarem!...
Estamos certos, até, que muitas pessoas honestas, com vergonha, a forças do coração teimarão em ficar em casa, por carecerem de roupas que se apresentem no hospital.
Ah! Quantas?!!!”

Depois de mencionar um conjunto de pessoas que se ofereceram para fazer serviço de enfermagem, de referir o trabalho incansável das comissões locais de assistência e vigilância, de enaltecer o trabalho dos médicos que “não se poupam a sacrifícios e esforços no cumprimento dos seus deveres profissionais”, o jornal faz um apelo “aos corações generosos da nossa terra” para contribuírem para uma subscrição destinada a “socorrer a pobreza enferma”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32098, 4 de abril de 2020, p.17)

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