Para algumas feministas educar também era
revolucionar
Ao
ler o relatório do 1º Congresso Feminista e da Educação, realizado em 1924,
onde foram homenageadas as açorianas Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa,
pela sua dedicação à causa da instrução e educação, deparei-me com o nome de
Deolinda Lopes Vieira Pinto Quartim que naquele congresso foi uma das oradoras,
tendo apresentado a tese “A educação dos anormais” e uma moção sobre a Escola
Única.
Ao
continuar as minhas pesquisas sobre aquela professora primária, cheguei aos
nomes de Lucinda Tavares que colaborou com a Liga Republicana das Mulheres
Portuguesas, organização a que as duas açorianas pertenceram e que contou com a
colaboração do Marquês de Jácome Correia e de Ermelinda Rodrigues da Silveira,
também professora que, tal como o marido José Fontana da Silveira, colaborou
com Maria Evelina de Sousa na Revista Pedagógica.
Através
da leitura de um texto sobre os primórdios do feminismo em Portugal, escrito
por João Esteves, fica-se a saber que o movimento feminista, no início, contou
com a participação de mulheres de diferentes opções ideológicas e políticas,
como republicanas monárquicas e libertárias, como era o caso das três
professoras referidas. Se havia profundas diferenças entre o que pretendiam
sobretudo as republicanas e as anarquistas, havia um conjunto de pontos que as
uniam como a prioridade dada à educação, a um ensino laico, o combate ao
alcoolismo, à mendicidade e à prostituição.
Antes
de fazer uma breve apresentação de algumas das ideias de Lucinda Tavares,
abaixo apresento a posição da CGT-Confederação Geral do Trabalho, organização
anarcossindicalista, sobre o movimento feminista, através de extratos da
saudação feita ao 1º Congresso Feminista e da Educação, pela voz do seu
secretário geral Manuel da Silva Campos.
Depois
de referir que aquela organização estava convencida “de que não há um problema
feminista a resolver, mas uma questão social a solucionar, isto é, que a
emancipação moral e política do género feminino depende da libertação económica
dos povos da classe detentora dos meios de Produção e de Vida”, terminou
afirmando o seguinte: “esperando aceiteis a “igualdade dos sexos perante a
lei”, que reclamais, apenas como uma espécie da longa jornada que o homem e a
mulher precisam ainda trilhar para alcançar a meta da sua felicidade”.
Para
Lucinda Tavares, o feminismo era “a reação contra todas as ignomínias,
injustiças e desigualdades de que é vítima a mulher portuguesa, mesmo dentro da
sua esfera de criatura delicada, sensível e sentimental” e tinha por finalidade
“1º Educar a mulher em princípios de liberdade e independência, para que ela
eduque seus filhos sob esse sagrado lema. 2º Conquistar-lhe os direitos a que
tem jus, porque não pode haver a nítida compreensão de dever sem usufruição de
direito. 3º Dadas as razões de ordem económica com que temos de lutar, que seja
lícito à mulher, como é ao homem, escolher entre os ramos de actividade humana,
no extenso e variadíssimo campo do comércio, da ciência, das artes e das
letras, aquele porque optar o seu espírito, a sua inteligência, as suas
tendências naturais”.
Ainda
de acordo com João Esteves, Lucinda Tavares, que era apologista da Escola
Moderna, como oradora em várias sessões, defendia “a emancipação económica,
política e moral das mulheres” e fazia a apologia da “educação integral como
contraponto à educação religiosa e burguesa”.
Interessante,
mas coerente com o seu pensamento, é a sua posição sobre a implantação da
República que é um misto de regozijo e desconfiança. Vejamos o que escreveu
sobre o assunto:
“…
Fora implantada a República, sonho dourado de tantos espíritos!
Aceitamo-la
com entusiasmo, saudámo-la do íntimo do coração com a mais viva alegria,
Mas,
cremos nós que o seu advento fosse um grande passo no campo das reivindicações
sociais? Sem dúvida que não. O que devemos, pois, fazer, nós todas as mulheres
que já nos sentimos um pouco emancipadas da escravidão a que a sociedade nos
tem condenado?
Educar as nossas irmãs para que saibam educar
os seus filhos em princípios de Liberdade e Solidariedade, de forma a poderem
fazer da sociedade portuguesa, que ora abre os olhos após um prolongadíssimo
sono, uma sociedade sem preconceitos, sem fanatismo e sem padres.”
Teófilo
Braga
(Correio
dos Açores, 32672, 9 de março de 2022)
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