quarta-feira, 9 de março de 2022

Para algumas feministas educar também era revolucionar

 


Para algumas feministas educar também era revolucionar

Ao ler o relatório do 1º Congresso Feminista e da Educação, realizado em 1924, onde foram homenageadas as açorianas Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa, pela sua dedicação à causa da instrução e educação, deparei-me com o nome de Deolinda Lopes Vieira Pinto Quartim que naquele congresso foi uma das oradoras, tendo apresentado a tese “A educação dos anormais” e uma moção sobre a Escola Única.

 

Ao continuar as minhas pesquisas sobre aquela professora primária, cheguei aos nomes de Lucinda Tavares que colaborou com a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, organização a que as duas açorianas pertenceram e que contou com a colaboração do Marquês de Jácome Correia e de Ermelinda Rodrigues da Silveira, também professora que, tal como o marido José Fontana da Silveira, colaborou com Maria Evelina de Sousa na Revista Pedagógica.

 

Através da leitura de um texto sobre os primórdios do feminismo em Portugal, escrito por João Esteves, fica-se a saber que o movimento feminista, no início, contou com a participação de mulheres de diferentes opções ideológicas e políticas, como republicanas monárquicas e libertárias, como era o caso das três professoras referidas. Se havia profundas diferenças entre o que pretendiam sobretudo as republicanas e as anarquistas, havia um conjunto de pontos que as uniam como a prioridade dada à educação, a um ensino laico, o combate ao alcoolismo, à mendicidade e à prostituição.

 

Antes de fazer uma breve apresentação de algumas das ideias de Lucinda Tavares, abaixo apresento a posição da CGT-Confederação Geral do Trabalho, organização anarcossindicalista, sobre o movimento feminista, através de extratos da saudação feita ao 1º Congresso Feminista e da Educação, pela voz do seu secretário geral Manuel da Silva Campos.

 

Depois de referir que aquela organização estava convencida “de que não há um problema feminista a resolver, mas uma questão social a solucionar, isto é, que a emancipação moral e política do género feminino depende da libertação económica dos povos da classe detentora dos meios de Produção e de Vida”, terminou afirmando o seguinte: “esperando aceiteis a “igualdade dos sexos perante a lei”, que reclamais, apenas como uma espécie da longa jornada que o homem e a mulher precisam ainda trilhar para alcançar a meta da sua felicidade”.

 

Para Lucinda Tavares, o feminismo era “a reação contra todas as ignomínias, injustiças e desigualdades de que é vítima a mulher portuguesa, mesmo dentro da sua esfera de criatura delicada, sensível e sentimental” e tinha por finalidade “1º Educar a mulher em princípios de liberdade e independência, para que ela eduque seus filhos sob esse sagrado lema. 2º Conquistar-lhe os direitos a que tem jus, porque não pode haver a nítida compreensão de dever sem usufruição de direito. 3º Dadas as razões de ordem económica com que temos de lutar, que seja lícito à mulher, como é ao homem, escolher entre os ramos de actividade humana, no extenso e variadíssimo campo do comércio, da ciência, das artes e das letras, aquele porque optar o seu espírito, a sua inteligência, as suas tendências naturais”.

 

Ainda de acordo com João Esteves, Lucinda Tavares, que era apologista da Escola Moderna, como oradora em várias sessões, defendia “a emancipação económica, política e moral das mulheres” e fazia a apologia da “educação integral como contraponto à educação religiosa e burguesa”.

 

Interessante, mas coerente com o seu pensamento, é a sua posição sobre a implantação da República que é um misto de regozijo e desconfiança. Vejamos o que escreveu sobre o assunto:

“… Fora implantada a República, sonho dourado de tantos espíritos!

 

Aceitamo-la com entusiasmo, saudámo-la do íntimo do coração com a mais viva alegria,

Mas, cremos nós que o seu advento fosse um grande passo no campo das reivindicações sociais? Sem dúvida que não. O que devemos, pois, fazer, nós todas as mulheres que já nos sentimos um pouco emancipadas da escravidão a que a sociedade nos tem condenado?

 Educar as nossas irmãs para que saibam educar os seus filhos em princípios de Liberdade e Solidariedade, de forma a poderem fazer da sociedade portuguesa, que ora abre os olhos após um prolongadíssimo sono, uma sociedade sem preconceitos, sem fanatismo e sem padres.”

Teófilo Braga

 

(Correio dos Açores, 32672, 9 de março de 2022)

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