O mocho: um pico-pedrense quase
desconhecido
Há
quarenta anos que sou ativista pela defesa do património natural dos Açores. De entre as espécies que mais me chamam a
atenção e que merecem ser respeitadas, destaco as duas únicas aves de rapina
que nidificam nos Açores, o milhafre ou queimado (Buteo buteo rothschildi) e o
mocho, também conhecido em alguns locais dos Açores por coruja (Asio otus).
Preocupado com a perseguição movida às aves referidas, em 1982,
na qualidade de membro do Núcleo Português de Estudos e Proteção da Vida
Selvagem participei numa campanha para a proteção das rapinas dos Açores,
através da distribuição de um desdobrável informativo.
Nos últimos dias de 1983 e no primeiro dia de 1984 colaborei na
montagem de uma exposição de cartazes, que esteve patente ao público da Junta
de Freguesia do Pico da Pedra, com o objetivo de sensibilizar a população para
o dever de proteger o ambiente. Na altura o desdobrável referido, que se
intitulava “As rapinas precisam da nossa ajuda”, foi profusamente distribuído.
O mocho, também conhecido em Portugal continental
por bufo-pequeno, é uma ave de rapina noturna que, de acordo com Pedro Rodrigues
e Gerbrand Michielsen, “pelo facto de ter hábitos nocturnos e ser uma espécie
com poucos efetivos na região torna-a numa das espécies mais difíceis de
observar na região, não existindo dados fiáveis sobre os locais onde nidifica”.
Uma superstição sem qualquer sentido, mas que
ainda hoje, infelizmente, perdura é a de que a presença de um mocho é sinal de
mau agouro. Assim, no início do século passado, o padre-mestre vila-franquense
Manuel Ernesto Ferreira mencionava, no seu texto “os animais na tradição,
publicado seu livro “A alma do povo micaelense”, que o pio de um mocho sobre
uma casa pressagiava que naquela iria ocorrer uma morte.
O mocho, que se alimenta de pequenos
roedores, lagartixas e insetos, desempenha um papel fundamental no equilíbrio
da Natureza, limitando o crescimento das espécies proliferantes e
desembaraçando o homem de animais doentes e cadáveres.
Em 1996, no âmbito das atividades dos Amigos
dos Açores- Associação Ecológica, foi implementado o Projeto “Rapinas dos
Açores” que teve, entre outros, como objetivo o estudo de alguns aspetos da
biologia e ecologia das rapinas dos Açores, assim como dos habitats por elas
utilizados, tendo sido realizadas várias saídas de campo entre os meses de abril
e junho, na ilha de São Miguel. Durante
o projeto mencionado foi detetada a presença de mochos nas seguintes
localidades: Pico da Pedra, São Roque, Capelas, Fajã de Baixo, São Pedro e São
José (Ponta Delgada) e Santa Bárbara (Ribeira Grande).
Um recenseamento, efetuado por Carlos Pereira,
cujos resultados foram divulgados pela SPEA- Sociedade Portuguesa para o Estudo
das Aves, por ter sido fruto de um trabalho de campo que ocorreu apenas em três
meses, entre 1 de abril e 30 de junho de 2005, não permitiu acrescentar muito
ao conhecimento até então existente.
De qualquer modo, o autor chegou à conclusão
de que a espécie “não é muito abundante nos Açores”, prefere “zonas urbanas de
S. Miguel, Terceira e Faial” e “parece evitar ainda, as zonas de maior altitude.
No Pico da Pedra, ao longo dos anos temos
observado ou ouvido o pio de mochos em locais arborizados situados na Rua das
Almas, na Rua Capitão Manuel Cordeiro e na Avenida da Paz.
Através da observação direta, de informações
recolhidas junto de moradores ou da escuta de pios cujo som é mais agudo,
podemos concluir que a ave tem nidificado na freguesia, nomeadamente nas duas
últimas artérias referidas no parágrafo anterior.
Pico
da Pedra, 23 de maio de 2022
Teófilo Braga
(VOZ POPULAR, nº 200, junho de 2022)
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