segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Carta à Directora Regional da Educação

Ponta Delgada, 10 de Novembro de 2008


Exma Sra Directora Regional da Educação

(Com conhecimento aos professores, alunos, pais e encarregados de educação)

Fui, juntamente com outros docentes, convocado por VªExcia para uma “Acção de Formação”, hoje, todo o dia, sobre a “Avaliação do Desempenho do Pessoal Docente”. Vou lá, vou informar-me mais o melhor que possa.
Mas, para já, não deixo de ficar surpreendido pelo tão cínico quanto ingénuo atrevimento da administração regional e nacional de levarem por diante a “avaliação docente” que propugnam e não menos fico surpreso com a impunidade com que a si próprios os responsáveis por esta fraude se figuram.
Acredita VªExcia que aquilo que se ensina e que se aprende nas escolas têm tão irrisória natureza que podem mudar-se por simples decreto a belo prazer não se sabe bem de quem nem porquê? As leis internas dos fenómenos e a ordem intrínseca a qualquer discurso são folhos e rendas a entreterem ócios, engodo e isco para desprevenidos, meros artifícios para acumularem alguns aquilo que alguns dizem que faz cantar o ceguinho?
Então acha V.Excia que um docente pode ser bem avaliado num processo sumário instaurado por entidades formalmente administrativas, procedendo administrativamente, administrativamente compelidas ao arbítrio duma não menos administrativa hierarquia?
Acha que são métodos e critérios desse teor justificação capaz para se fazer tábua rasa de cinco, dez, vinte ou trinta anos de trabalho documentado de profissão, e, ao invés, é com 90 ou 45 minutos de uma ou duas pseudo aulas assistidas, preenchimento dos formulários normalizados, uma entrevista, e a incisiva ou displicente, mas sempre decisiva, benevolência ou hostilidade do presidente do executivo e ou do coordenador de departamento, que se avalia – VªExcia acredita? - toda uma vida profissional ou mesmo um ano de trabalho?
Então V.Excia superintende currículos e programas científicos, obrigando, para efeitos de ingresso na carreira, e aliás muito bem, a formação pedagógica, e depois impõe aos professores actuações contrárias, aberrantes, atentatórias da qualificação intelectual, da idoneidade científica, da ética e da deontologia profissionais? E acha que um sinistro, obscuro e aleatório “perfil” consagrado num não menos obscuro e sinistro “Estatuto da Carreira Docente” pode fazer apagar o que atrás afirmo? Julga que as águas bentas sindicais são passaporte garantido para absolvição de quantos abusos nesse “Estatuto” se licenciam? Acredita que lá porque “Deus escreve direito por linhas tortas” que o melhor é abraçar as “linhas tortas” para que tudo fique direito?
Não é por acaso que esta avaliação docente está a ser objecto de tanta atenção e tanta luta em todo o país. Não sou só eu que estou contra ela, assim como não sou eu só a estar contra o ECD que a enforma e informa.
É que não são só valores de democracia, de bom senso e de bom gosto, de lisura, de honestidade e de partilha, é também a esperança de vida que a vossa avaliação e o vosso ECD afrontam!
De vida ou de morte por isso esta luta.
VªExcia pode não saber, mas eu sei por que é que quem lhe paga o mercenato a obriga a tão abjectos actos contra natura e contra cultura. É que o figurino actual da assalariatura que tantos aplaudem ignaramente e tantos babosamente sustentam, precisa, por paradoxal que pareça, de cada vez menos qualificados e de cada vez mais desqualificados - cada vez mais transpirantes (e ou excluídos, acrescento) e cada vez menos pensantes, para usar a expressiva frase de um Colega meu. A uns cada vez mais poucos tudo se dá e tudo se investe, aos cada vez mais outros tira-se-lhes quanto se lhes pode – pudera! pois se a sua função económica e social é estrita e exactamente a de enriquecer quem aposta no negócio da compra e da venda da força de trabalho!
É imprescindível para o cada vez mais brutal modo de produção e de distribuição vigentes a máxima alienação e a rápida desqualificação da massa da população. É por isso que na análise de risco tudo aponta exactamente para a classe docente, pois esta está tradicionalmente habituada a ter como valores a educação, a instrução e a qualificação. É por isso ainda que se identifica os professores como os pontos críticos a controlar, a monitorizar, a fichar, a envolver, a expulsar ou a neles intervir correcionalmente.

O professor,

Pedro Albergaria Leite Pacheco

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