quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Antero de Quental, esse desconhecido




«Não é lisonjeando o mau gosto e as péssimas ideias das maiorias, indo atrás delas, tomando por guia a ignorância e a vulgaridade, que se hão-de produzir as ideias, as ciências, as crenças, os sentimentos de que a humanidade contemporânea precisa»

Antero de Quental

Foi através da minha professora de Português no Externato de Vila Franca, Laura de Araújo Pimentel, que pela primeira vez ouvi falar em Antero de Quental. Mais tarde, logo depois do 25 de Abril de 1974, tive a oportunidade de ler o livro “O Socialismo de Antero”, de Ângelo Raposo Marques, que me foi oferecido pelo emigrante nos Estados Unidos da América, natural da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, Manuel de Amaral Brum.
Mas quem foi Antero de Quental? Que aspectos da sua vida são menos conhecidos?
Antero de Quental, o Santo Antero, é conhecido pela maior parte das pessoas como um grande poeta português, mas é quase ignorado, pelo menos pelo cidadão comum, o seu talento como ensaísta e a sua experiência de trabalho como operário.
Aos vinte e quatro anos, Antero de Quental, que nasceu em Ponta Delgada, foi viver para Lisboa onde trabalhou como tipógrafo, tendo também exercido a mesma profissão em Paris, em janeiro e fevereiro de 1867.
Em alguns ensaios, Antero de Quental, tal como outros seus companheiros da chamada geração de 70, denunciou as taras da classe dirigente e da igreja portuguesa do seu tempo. De acordo com Raposo Marques, Antero, que distinguia o cristianismo que vivia “da fé e da inspiração” do catolicismo que vivia do “dogma e da disciplina”, era tal como Proudhon, apologista do “ateísmo social que quer reconstruir o “mundo humano sobre as bases eternas da Justiça, da Razão e da Verdade”, com exclusão dos Deuses e das religiões “inúteis e ilusórias”; e adepto da “anarquia individual que exclui dessa “reconstrução”, “os reis, e os governos tirânicos”.
Quase desconhecida, pelo menos pelas gerações mais novas, é a sua ligação ao socialismo, que nada tem a ver com a adulteração do mesmo pelos partidos políticos actuais. Antero de Quental foi, segundo alguns, o primeiro tradutor de Proudhon em português e um dos fundadores do primeiro núcleo da AIT- Associação Internacional dos Trabalhadores, em Portugal.
A propósito de partidos, vejamos o que diz Antero num texto intitulado “A indiferença em política”:
“Um partido é sempre uma memória que pugna por um interesse particular; um povo, a maioria que caminha nas vias do interesse geral.
Já daqui vedes que entre um partido e um povo pouco pode haver de comum. A nação segue a bandeira nacional; o partido a bandeira da sua cor.”
No que diz respeito à AIT, Antero de Quental foi o autor de um opúsculo intitulado “O que é A Internacional?”, que foi publicado em 1871. Nessa publicação escreve Antero, a dado passo:
“O programa político das classes trabalhadoras, segundo o Socialismo, cifra-se em uma só palavra: abstenção. Deixemos que esse mundo velho se desorganize, apodreça, se esfacele, por si, pelo efeito do vírus interior que o mina. No dia da decomposição final, nós cá estaremos então, com a nossa energia e virtude conservadas puras e vivas longe dos focos de infecção desta sociedade condenada.”
A leitura do livro, de Gabriel Rui Silva, “ Manuel Ribeiro, o romance da fé” sobre a vida e a obra de Manuel Ribeiro (1878-1941), o autor mais lido na década de vinte do século passado que, depois de ter sido fundador do Partido Comunista Português converteu-se ao catolicismo, tendo em algumas das suas obras procurado uma aliança entre católicos e comunistas, despertou-me a atenção para a coerência que muitas vezes não existe entre o que se diz e o que se faz.
Para Gabriel Silva, falando na geração de 70, “muitos daqueles que pretendiam limpar o mundo pela afirmação moral, não deixam, neste
capítulo, de mostrar uma ambiguidade que pouco tem a ver com o escrúpulo de Antero”. Ainda sobre o assunto, aquele autor, considerando sempre que Antero foi excepção, menciona o facto de uma geração que foi de “socialistas, ferozmente aguerridos face ao poder e à presença clerical… arautos exemplares do novo que avança e da degenerescência ou decadência nacionais, cosmopolitas da tradição da sátira e do maldizer… se transformam em monárquicos, católicos e nacionalistas depois de jantados e Vencidos da Vida.”
Autor: Teófilo Braga

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