quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

A pré-história da defesa do ambiente nos Açores


A pré-história da defesa do ambiente nos Açores

Desde os primeiros tempos do povoamento dos Açores existiram pessoas que se preocuparam com a destruição da natureza, mas aquela preocupação passou a ser mais generalizada a partir de 1972, em plena Primavera marcelista.

A nível nacional, o primeiro-ministro Marcelo Caetano criou, em 1971, a Comissão Nacional do Ambiente que preparou a participação de Portugal na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972 e que, entre outros assuntos, discutiu as políticas de desenvolvimento humano e de conservação dos recursos naturais.

Nos Açores, foi no ano de 1972 que a comunicação social começou a abordar as questões ambientais de forma mais regular, quer através de textos da responsabilidade das redações dos jornais, quer de alguns colaboradores.


Neste texto, recordamos três textos publicados no jornal “Correio dos Açores” naquele ano.

No dia 23 de março, o Dr. Júlio Quintino, depois de reconhecer que a única vantagem de se viver “numa região economicamente subdesenvolvida” é o facto de estarmos “integrados num ambiente de quase pureza original”, acrescentou que seria importante a constituição de um grupo de trabalho “com a dupla missão da defesa do meio ambiente e da orientação criteriosa da exploração dos recursos naturais”.

No dia 25 do mesmo mês, num texto não assinado, o jornal Correio dos Açores apela à classificação da Lagoa do Fogo como “reserva integral” para defender a “sua beleza primitiva à volta de um conjunto panorâmico que importa salvar integralmente enquanto é tempo”.

O terceiro texto, “Em defesa do Meio Ambiente”, do Engº Agrónomo e Silvicultor Orlando de Azevedo, publicado no Correio dos Açores, no dia 2 de agosto de 1972, tal como o anterior é rico em lições para quem hoje vive e sobretudo ocupa cargos públicos nos Açores.

No seu texto, o autor menciona algumas medidas tomadas por várias entidades, como o Congresso dos EUA, o governo francês que instituiu o Ministério pra a Proteção da Natureza e do Ambiente, o governo português e faz referência à “magna Conferência para a Defesa do Ambiente Humano”.

Sobre a realidade regional, Orlando de Azevedo escreveu sobre “o conjunto magnífico das Sete Cidades, cujo progressivo arroteamento das vertentes maculou a beleza original da famosa cratera, além do que concorreu para aumentar o volume dos carrejos que ameaçam entulhar as magníficas lagoas”. Em relação ao aeroporto das Lajes o autor escreveu: “Profanou-se, assim, a paisagem portentosa e inutilizou-se para sempre centenas de alqueires de solos dos mais produtivos do Arquipélago, diríamos dos mais férteis do mundo”.

O autor, também, esclarece no seu texto que não é contra o progresso, referindo que “A técnica e a economia regional têm que ser condicionadas pela ecologia, não somente para defesa do equilíbrio do meio ambiente, mas também para que pela sua própria destruição não sejam inutilizados, ou precários, os resultados económicos que se pretendem atingir pela própria técnica”.

Terminámos com mais uma citação plena de atualidade: “Há bem poucos anos, aqueles que falavam da defesa da paisagem, dos perigos que ameaçavam os recursos naturais- minerais, animais ou florísticos – eram considerados sonhadores ou idealistas- “poetas” no sentido irónico da palavra”.

Hoje, fala mais alto a destruição do património em nome do desenvolvimento que dizem sustentável. Hoje, fruto de pressões da sociedade, a autocensura é rainha. Senhores que estão no poder, deixem-nos continuar a ser poetas, pois como muito bem escreveu Sebastião da Gama “pelo sonho é que vamos”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31413, 27 de dezembro de 2017, p. 12)

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