segunda-feira, 13 de agosto de 2018

O LEGADO DE JOSÉ DO CANTO



O LEGADO DE JOSÉ DO CANTO

Muito já se escreveu sobre o legado de José do Canto para a sociedade açoriana, contudo penso que ainda muito há a pesquisar para conhecermos a fundo o homem multifacetado que ele foi.

José do Canto, em criança, sonhou ser médico, na juventude queria estudar botânica e, ao contrário do que pretendia, acabou por se matricular em Matemática. Tendo desistido da frequência universitária para casar com sua prima Maria Guilhermina, acabou por ser gestor de uma empresa agrícola de sucesso e um botânico amador, isto é, que amava o que fazia.

Sobre o seu amor ou a sua paixão pelas plantas escreveu: “… mas o que me restabeleceria completamente ao meu antigo vigor seriam umas férias absolutas…ver e examinar as plantinhas, classificá-las, descobrir algumas novas que, introduzidas, possam ser úteis ou elegantes…”

José do Canto não se distinguiu, apenas, pelo contributo que deu ao desenvolvimento da agricultura, sobretudo através da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense. Com efeito, também, se preocupou com o ensino/educação, tendo sido membro ativo da Sociedade dos Amigos das Letras e Artes, instituição que criou várias escolas primárias em diversos locais da ilha de São Miguel, apoiou instituições de solidariedade como o Asilo da Infância Desvalida e o Hospício de Maria Tereza, cujas instalações mandou construir em memória de sua irmã D. Maria Teresa do Canto que faleceu num desastre, em 1857.

Ainda no que diz respeito à sua preocupação para com os mais desfavorecidos, José do Canto por diversas vezes teve intervenção durante as crises dos cereais, no sentido de impedir a subida dos preços dos alimentos essenciais à sua subsistência.

Relativamente às artes/letras, José do Canto foi um mecenas que apoiou os estudos de Marciano Henriques e custeou a publicação de livros de Bulhão Pato, de Feliciano de Castilho e de Gomes de Amorim. Como bibliófilo José do Canto deixou-nos uma biblioteca camoniana que é considerada, pelo Professor universitário Justino Mendes de Almeida, um “monumento imperecível”.

José do Canto foi também coautor de estudos importantes, como a “Memória sobre a possibilidade e utilidade da construção de um molhe em Ponta Delgada”, tendo na luta pela construção da doca, segundo ele, perdido anos de vida.

José do Canto teve uma pequena participação política, tendo presidido à Junta Geral. Contudo, tendo, em 1852, sido proposto para se candidatar a deputado, recusou. Na ocasião escreveu um pequeno texto intitulado “Aos micaelenses que pretendiam eleger-me deputado”.

Para despertar a curiosidade para a sua leitura, aqui vai um pequeníssimo extrato sobre a caracterização da sociedade do seu tempo:

“Uma dívida pública enorme, impossível de pagar na totalidade, e que só com o pagamento dos juros dessagra o país, e extinguirá em pouco tempo o seu numerário ..;

“Os homens públicos, sem fé, nem honestidade, os cidadãos honestos, poucos em número, e sem a força ou energia de suplantarem os que abusam da sua cordura;

Termino, com uma citação de um texto que o Dr. Eugénio Pacheco, professor, republicano e autonomista, escreveu aquando do seu falecimento:

“Recordemos apenas que, apesar dos seus méritos, José do Canto tinha a rara virtude da modéstia. Desprezou todas as honras e jamais se armou à popularidade. Podendo aspirar a muito alto, circunscreveu-se apenas a bem servir a sua Pátria. O seu desprendimento de vaidades assinalou-se primeiro no opúsculo em que rejeitou a candidatura de Deputado por este círculo e realizou-se depois em toda a sua vida. Das mercês que lhe quiseram conferir aceitou unicamente a de sócio da Academia Real das Ciências porque nessa eleição ia um preito ao seu querido Camões. Nobre e grandioso exemplar de vida prestante e pura!”

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31597, 14 de agosto de 2018, p. 12)

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