segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Uma casa na Praia


UMA CASA NA PRAIA


Um grupo de cidadãos, sob a sigla “Amigos da Praia do Pópulo”, tem desenvolvido esforços no sentido de fazer com que não seja permitida a construção de uma moradia sobre a duna da Praia do Pópulo, freguesia de Livramento.

Das respostas obtidas, através das várias diligências já efectuadas por aquele grupo, destacaríamos a que foi dada pela Secretaria Regional do Ambiente, através de ofício assinado pelo Chefe de Gabinete, datado do passado dia 11 de Abril. Assim, a dado passo, podemos ler “de acordo com a informação última recebida da Direcção Regional do Ordenamento do Território e dos Recursos Hídricos, o lote em referência se encontra fora do domínio público marítimo. Mais se informa que o loteamento em questão foi efectivamente licenciado anteriormente à entrada em vigor do Plano de Urbanização de Ponta Delgada e área envolvente...”.

Da resposta da Secretaria do Ambiente conclui-se que está tudo dentro da lei e que, como a área em questão está fora do domínio público marítimo, não há nada a fazer. Em suma, Pilatos, se não andasse distraído, teria apresentado a mesma solução. Contudo, talvez a questão não se fique por aqui pois a zona onde está localizado o loteamento faz parte de um Biótopo do Programa Corine e este Programa da Comunidade Europeia é datado de 1985.

De acordo com Vasconcelos e Gomes (1988) com o Programa Corine pretende-se “proporcionar às autoridades nacionais e regionais de planeamento a informação sobre os recursos ambientais de significado europeu existentes nas suas áreas de jurisdição ou zonas vizinhas e que podem ser afectadas pelos seus planos e projectos” bem como “proporcionar um meio de orientar a política de ambiente da Comunidade conferindo-lhe ao mesmo tempo um carácter mais preventivo”. Assim, ainda segundo os mesmos autores, em Portugal foram inventariados 276 sítios considerados de interesse comunitário, 55 dos quais localizados nos Açores.

Dos Biótopos existentes nos Açores, existe um, denominado “Rosto do Cão”, que abrange uma área costeira de 53 hectares, que se estende, sensivelmente, desde a zona da Moaçor até à da Prolacto. Em 1988, o documento a que tivemos acesso, refere a elevada utilização humana, a plantação de espécies infestantes e a deposição de lixos e entulhos junto à costa como as principais causas da vulnerabilidade da zona e refere que a área em questão não estava legalmente protegida. É precisamente neste Biótopo Europeu que foi autorizado o loteamento do qual faz parte a tão famosa casa da Praia.

Além disso, convém não esquecer que a paisagem litoral é um bem público que, para além da sua riqueza cénica, é suporte das mais diversas actividades económicas e de lazer, e que no caso presente é inadmissível que todos os responsáveis da Administração Pública (regional e local) se mostrem solidários com os cidadãos promotores dos dois abaixo- assinados que já foram entregues aos senhores Presidentes da Câmara Municipal de Ponta Delgada e da Assembleia Legislativa Regional dos Açores e não mexam uma palha.

Por último, em nosso entender, não basta apregoar-se que estamos preocupados com a defesa do nosso ambiente e que somos adeptos do desenvolvimento sustentável, é urgente tomar medidas de modo a que o desenvolvimento da região seja equilibrado, onde não hajam “interesses particulares, nem direitos de propriedade, nem lucros que se sobreponham aos direitos humanos a um ar limpo, a uma água limpa e a uma atmosfera que permita a continuação da vida na Terra” (Walter Cronkite). No caso concreto, é preciso corrigir com urgência os erros cometidos e estes concerteza não são da responsabilidade do construtor nem do proprietário dos terrenos.

Teófilo Braga

(“Açoriano Oriental”, 7 de Maio de 2001)




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