terça-feira, 19 de maio de 2020

A propósito de Demografia e Ecofascismo




A propósito de Demografia e Ecofascismo
Numa altura em que em todo o mundo morrem milhares de pessoas devido a uma pandemia é no mínimo de mau gosto virem algumas aves agoirentas defender que o grande problema da Terra é o excesso populacional.

Após a leitura de um pequeno texto de um dos defensores da tese de que a mãe de todos os males do mundo está na população, lembrei-me de um termo não muito usado entre nós, ecofascismo, que, tal como muitos outros, tem servido para desacreditar o movimento ecologista.

O canadiano Murray Bookchin, que defende que as sociedades devem ser organizadas em pequenas comunidades democráticas, descentralizadas e sem hierarquias, classifica como ecofascistas os adeptos da chamada ecologia profunda. A classificação de ecofascismo também pode ser usada para identificar alguns grupos políticos “verdes” de extrema-direita com (ainda?) muito pouca influência nas sociedades atuais.

Ainda sobre a designação ecofascimso, António Cândido Franco, professor na Universidade de Évora, num pequeno texto de apreciação ao livro “Colapso. Capitalismo Terminal, Transição Ecossocial, Ecofascismo”, da autoria de Carlos Taibo, professor de Ciência Política na Universidade Autónoma de Madrid, escreveu o seguinte:

“Foi teorizada recentemente por Janet Biehl a partir das políticas que o Partido Nacional Socialista alemão adaptou na década de 30 na Alemanha, com a proteção legal de espécies animais, a criação de parques selvagens para usufruto de uma elite e dum povo de escol, o germânico, uma política de natalidade controlada pelo Estado, uma engenharia genética ao serviço do aperfeiçoamento duma minoria mais forte e mais capaz  e o uso massivo da eutanásia como forma de liquidar com um mínimo de dor os fracos e os doentes”.

Ainda sobre o caso alemão, sabe-se que no interior do partido de Hitler existiu uma corrente “verde” que defendia o renascimento da vida rural, o vegetarianismo ou a defesa dos animais, nem sempre com sucesso, como se depreende do extrato de um texto William Gillis:

“Os nazistas certamente acreditavam no ambientalismo e na redução drástica da “sobrepopulação” da Europa e do mundo, mas eles eram tão comprometidos com a supremacia da raça ariana mística assim como com o projeto de Estado- nação e a máquina de guerra para poder realizar seus objetivos. Os nazis demandaram a agricultura orgânica, mas não estavam destruindo todo o setor agrário. Na sua sede por poder, construíram projetos infraestruturais gigantescos como a Autobahn (sistema de rodovias), e uma enorme vigilância burocrática para, no final das contas, fazer essa “harmonia com a natureza” não contar muito. Havia protestos internos dos verdadeiros crentes ideológicos dentro do movimento nazista contra coisas como drenagem de pântanos, mas mesmo assim isso foi levado a diante.”

Se é verdade que o passado não se repete, também não é menos verdade que face à crise global, de esgotamento dos recursos naturais e da conjugação de problemas associados às alterações climáticas, podem surgir tentações de despotismo “ecologista” como resposta à mesma, de modo a garantir a sobrevivência das condições de vida das elites.

Sem nunca pôr em causa os modos de produção e consumo e sem pugnarem por mais justiça social, alguns adeptos do capitalismo verde, cansados de usar o ultrapassado conceito de desenvolvimento sustentável associaram, recentemente, àquele o da economia circular e continuam por aí a propor medidas de mitigação que só adiam a solução dos problemas.

Tal como no passado de má memória, para os adeptos atuais do ecofascismo, o grande problema da Terra não é a injusta repartição da riqueza criada, mas sim o excesso de habitantes. Face ao exposto, não estranharei se um dia destes, em nome da salvação do Planeta não apareçam por cá alguns “verdes” a defender a eutanásia dos mais desfavorecidos: a maioria dos habitantes dos países pobres, os idosos e os incapacitados.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32135, 20 de maio de 2020, p.12)

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