Numa altura em que em todo o mundo morrem
milhares de pessoas devido a uma pandemia é no mínimo de mau gosto virem
algumas aves agoirentas defender que o grande problema da Terra é o excesso
populacional.
Após a leitura de um pequeno texto de um
dos defensores da tese de que a mãe de todos os males do mundo está na
população, lembrei-me de um termo não muito usado entre nós, ecofascismo, que,
tal como muitos outros, tem servido para desacreditar o movimento ecologista.
O canadiano Murray Bookchin, que defende
que as sociedades devem ser organizadas em pequenas comunidades democráticas,
descentralizadas e sem hierarquias, classifica como ecofascistas os adeptos da
chamada ecologia profunda. A classificação de ecofascismo também pode ser usada
para identificar alguns grupos políticos “verdes” de extrema-direita com
(ainda?) muito pouca influência nas sociedades atuais.
Ainda sobre a designação ecofascimso,
António Cândido Franco, professor na Universidade de Évora, num pequeno texto
de apreciação ao livro “Colapso. Capitalismo Terminal, Transição Ecossocial,
Ecofascismo”, da autoria de Carlos Taibo, professor de Ciência Política na
Universidade Autónoma de Madrid, escreveu o seguinte:
“Foi
teorizada recentemente por Janet Biehl a partir das políticas que o Partido
Nacional Socialista alemão adaptou na década de 30 na Alemanha, com a proteção
legal de espécies animais, a criação de parques selvagens para usufruto de uma
elite e dum povo de escol, o germânico, uma política de natalidade controlada
pelo Estado, uma engenharia genética ao serviço do aperfeiçoamento duma minoria
mais forte e mais capaz e o uso massivo
da eutanásia como forma de liquidar com um mínimo de dor os fracos e os
doentes”.
Ainda sobre o caso alemão, sabe-se que no
interior do partido de Hitler existiu uma corrente “verde” que defendia o
renascimento da vida rural, o vegetarianismo ou a defesa dos animais, nem
sempre com sucesso, como se depreende do extrato de um texto William Gillis:
“Os nazistas certamente
acreditavam no ambientalismo e na redução drástica da “sobrepopulação” da
Europa e do mundo, mas eles eram tão comprometidos com a supremacia da raça
ariana mística assim como com o projeto de Estado- nação e a máquina de guerra
para poder realizar seus objetivos. Os nazis demandaram a agricultura orgânica,
mas não estavam destruindo todo o setor agrário. Na sua sede por poder,
construíram projetos infraestruturais gigantescos como a Autobahn (sistema de
rodovias), e uma enorme vigilância burocrática para, no final das contas, fazer
essa “harmonia com a natureza” não contar muito. Havia protestos internos dos
verdadeiros crentes ideológicos dentro do movimento nazista contra coisas como
drenagem de pântanos, mas mesmo assim isso foi levado a diante.”
Se
é verdade que o passado não se repete, também não é menos verdade que face à
crise global, de esgotamento dos recursos naturais e da conjugação de problemas
associados às alterações climáticas, podem surgir tentações de despotismo
“ecologista” como resposta à mesma, de modo a garantir a sobrevivência das
condições de vida das elites.
Sem
nunca pôr em causa os modos de produção e consumo e sem pugnarem por mais
justiça social, alguns adeptos do capitalismo verde, cansados de usar o
ultrapassado conceito de desenvolvimento sustentável associaram, recentemente, àquele
o da economia circular e continuam por aí a propor medidas de mitigação que só
adiam a solução dos problemas.
Tal
como no passado de má memória, para os adeptos atuais do ecofascismo, o grande
problema da Terra não é a injusta repartição da riqueza criada, mas sim o
excesso de habitantes. Face ao exposto, não estranharei se um dia destes, em
nome da salvação do Planeta não apareçam por cá alguns “verdes” a defender a
eutanásia dos mais desfavorecidos: a maioria dos habitantes dos países pobres,
os idosos e os incapacitados.
Teófilo
Braga
(Correio
dos Açores, 32135, 20 de maio de 2020, p.12)
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