sexta-feira, 1 de maio de 2020

Apontamentos sobre as origens do Primeiro de Maio em São Miguel


Apontamentos sobre as origens do Primeiro de Maio em São Miguel

Até prova em contrário, o 1º de maio, Dia do Trabalhador, foi comemorado, pela primeira vez, em Ponta Delgada, em 1897, com uma “marche aux flambeaux”, acompanhada pela filarmónica União, tendo havido discursos no Granel do sr. José Maria Caetano de Matos, localizado defronte dos Paços do Município.

O jornal “O Repórter”, cujo administrador era Alfredo da Câmara, editou um número especial, onde foi publicado um texto da redação. Neste é feito um apelo à instrução dos trabalhadores, pois sem ela “serão o que hoje sois, uns escravos de trabalho, sem aspirações a mais”. Por outro lado, com instrução, alertam os redatores, “brotarão as associações da classe, que representam a força e prestígio: nascerão as associações de socorros, que lhe darão uma velhice sossegada e ao abrigo da miséria”.

O jornal “O Preto no Branco”, de 6 de maio de 1897, cujo editor era J. Simões de Almeida, publicou um artigo onde o seu autor, não identificado, defendeu que os operários só têm razões de queixa nos grandes centros industriais e vai mais longe ao afirmar que o operariado, entre nós, “goza de regalias e liberdades que não encontram em parte alguma dos países civilizados”. Depois de lamentar o facto da classe operária não aproveitar para se instruir na “Escola industrial, para ensino de Desenho e Artes correlativas”, o texto termina com a seguinte afirmação: “Basta o que levamos dito para ficar assente, que uma classe operária, como a nossa, que vive com bons salários, goza de tantos cómodos e regalias, e despreza a sua educação, que nem sequer aproveita os cursos que lhe são franqueados, não tem muito direito a queixar-se de outras classes que com ela coexistem.”

O Repórter não gostou nada do texto publicado n’ “O Preto no Branco” e reagiu com um texto publicado no dia 16 de maio, onde desmonta os argumentos deste jornal, terminando-o do seguinte modo:

“Se o proprietário não pode ombrear com o artista, seja artista também; e com a sua propriedade e com o seu trabalho subirá então mais alto do que o simples artista.
Mas para aqueles que trabalham e com isso se querem libertar da escravidão em que vivem, concedam-lhes instrução, criem-lhes asas e deem-lhes tempo para voar que eles voarão.
É esta a nossa ideia quando advogamos a diminuição das horas de trabalho”.

Em 1898, com os mesmos organizadores do ano anterior, comemorou-se o primeiro de maio, em Ponta Delgada com um programa muito extenso. Com efeito, pelas 4 horas da manhã, teve lugar um desfile (Alvorada) por algumas ruas da cidade, pelas 9 horas, realizou-se uma visita aos túmulos de Antero de Quental e do médico José Pereira Botelho, pelas 11 horas, houve uma regata com a participação de barcos à vela e de remos, às 14 h e 30 min, houve um jantar no Asilo da Infância Desvalida, pelas 18 h 30 min, teve lugar uma ceia aos pobres do Albergue Noturno e pelas 20 horas, realizou-se um Bazar para o Montepio dos Artistas e uma récita dedicada aos operários micaelenses.

Tal como no ano anterior, O Repórter veio para a rua com uma edição alusiva ao 1º de maio, onde a redação voltou a apelar aos operários para se instruírem., pois “o artista que de futuro possuir um bom fundo de instrução e ao mesmo tempo saiba trabalhar como vós hoje sabeis, crede que é duplamente forte e que será duplicadamente feliz”.

O jornal publicou, também, um texto escrito por M. A. d’Amaral, sobre Antero de Quental, que foi lido junto ao seu túmulo por Alfredo da Câmara, e outro biográfico sobre o “Doutor Botelho” (José Pereira Botelho), médico natural da Lagoa que foi presidente da Sociedade dos Amigos das Letras e das Artes.

Em 1899, o jornal “O Repórter” noticiou a realização da comemoração do 1º de maio em Vila Franca do Campo, organizada pela “melhor rapaziada daquela Vila” Segundo se pode ler, para além da inauguração de uma nova casa de recreio na véspera, foram distribuídas pelos pobres numerosas esmolas de pão e carne”.

Em 1900, não se registou grandes inovações em relação aos anos anteriores. Para além de outras iniciativas, houve bodo aos presos e foi servido um jantar a mais de 70 pobres do Albergue Noturno.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32118, 29 de abril de 2020, p.12)

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