quarta-feira, 23 de junho de 2021

Com o Padre Cassiano

 


Com o padre Cassiano

 

Não sei precisar o momento exato em que contactei pela primeira vez com o padre Cassiano, mas não falto à verdade se apontar os primeiros dias após a chamada revolução dos cravos, ocorrida no dia 25 de abril de 1974. Na altura, ele estava empenhado em formar cidadãos para a vida em democracia e eu com 17 anos estava ávido por conhecer as ideologias dos vários partidos políticos que vieram à luz do dia ou surgiram após aquela data.

 

Durante cerca de dez anos, por diversas vezes, quase semanalmente, conversei com o padre Cassiano sobre a vida política nacional e regional e sobre a sua intervenção na paróquia de São Pedro.

 

Numa primeira fase levava-lhe publicações a que tinha acesso e depois quando tive uma ligação partidária, nomeadamente na União Democrática Popular, partido onde coabitavam marxistas e não marxistas, entregava-lhe algumas publicações e sempre que, à partida, achava que ele não iria dizer que não, pedia-lhe que fosse subscritor de alguns abaixo-assinados, a maioria relacionados com a exigência de melhores condições de vida para as populações.

 

Em troca, recebia um exemplar do boletim paroquial “Semente” que ele guardava para mim, mesmo depois de ir viver para a Ilha Terceira durante três anos. Nesta altura, quando vinha a São Miguel, quase mensalmente, a ida à Casa do Povo de Vila Franca era obrigatória. Lá, quando ele não tinha pessoas para atender, púnhamos a conversa em dia.

 

Apesar de querermos o melhor para a nossa sociedade, naquele tempo possuíamos diferentes ideologias. Eu acreditava nos ensinamentos de Karl Marx e de alguns dos seus seguidores e ele sempre foi fiel ao cristianismo, nomeadamente aos cristãos que estavam mais próximos da Teologia da Libertação.

 

O Padre Cassiano assumiu-se como homem de esquerda, mas nunca foi comunista, no sentido de pertencer a um partido político ou ser “companheiro de jornada” de qualquer partido político. Por ser tido como tal, foi caluniado e maltratado, por “rapazes” que diziam querer libertar os Açores ou por saudosistas do Estado Novo. Também foi vítima de adultos, ligados à igreja ou não, que achavam que eram os donos da “palavra de Deus”, esquecendo-se de que, como muito bem escreveu o Padre Manuel António Pimentel, “a fé cristã propõe pontos de referência permanentes que iluminam a reflexão e inspiram a ação dos cristãos: o primado da dignidade da pessoa humana sobre todas as coisas; a atenção especial e prioritária dada ao pobre, ao fraco e ao oprimido, imagens vivas de Cristo encarnado; o poder concebido como serviço e não como domínio; o respeito pelo adversário; a abertura ao universalismo no combate a todas as formas de racismo, xenofobia e nacionalismos exacerbados; a partilha e os destino universal dos bens.”

 

Adepto fervoroso do Sporting Clube de Portugal, o padre Cassiano apreciava ver uma partida de futebol ao vivo. Assim, algumas vezes encontrei-o a assistir a alguns jogos no Campo da Mãe de Deus quando tanto o Vasco da Gama- o meu clube- como o Desportivo de Vila Franca passavam por bons momentos.

 

Recentemente, descobri que o Padre Cassiano, não foi apenas um desportista de bancada, pois também foi praticante do chamado desporto-rei. Com efeito, segundo o sr. Alvarino Noronha, aquando da sua passagem pela Ilha de São Jorge, jogou futebol no Grupo Desportivo da Ribeira Seca.

 

O padre Cassiano esteve também ligado e marcado à minha vida familiar. Com efeito, foi ele que, depois de uma recusa, em permitir o meu casamento pela igreja por parte do Bispo de Angra, assinou uma declaração a comprovar que com ele havia dialogado sobre o tema do matrimónio.

 

Foi o Padre Cassiano que, em 1983, presidiu à cerimónia do meu casamento na Igreja Paroquial do Pico da Pedra. Na altura, muitos dos presentes ficaram atónitos com a originalidade da sua homilia que contrariava o que era “tradição”.

 

O padre Cassiano não morreu. Permanece comigo até ao dia em que fechar definitivamente os olhos.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32463, 23 de junho de 2021, p.15)

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