Com
o padre Cassiano
Não
sei precisar o momento exato em que contactei pela primeira vez com o padre
Cassiano, mas não falto à verdade se apontar os primeiros dias após a chamada
revolução dos cravos, ocorrida no dia 25 de abril de 1974. Na altura, ele
estava empenhado em formar cidadãos para a vida em democracia e eu com 17 anos
estava ávido por conhecer as ideologias dos vários partidos políticos que
vieram à luz do dia ou surgiram após aquela data.
Durante
cerca de dez anos, por diversas vezes, quase semanalmente, conversei com o
padre Cassiano sobre a vida política nacional e regional e sobre a sua
intervenção na paróquia de São Pedro.
Numa
primeira fase levava-lhe publicações a que tinha acesso e depois quando tive
uma ligação partidária, nomeadamente na União Democrática Popular, partido onde
coabitavam marxistas e não marxistas, entregava-lhe algumas publicações e
sempre que, à partida, achava que ele não iria dizer que não, pedia-lhe que
fosse subscritor de alguns abaixo-assinados, a maioria relacionados com a
exigência de melhores condições de vida para as populações.
Em
troca, recebia um exemplar do boletim paroquial “Semente” que ele guardava para
mim, mesmo depois de ir viver para a Ilha Terceira durante três anos. Nesta
altura, quando vinha a São Miguel, quase mensalmente, a ida à Casa do Povo de
Vila Franca era obrigatória. Lá, quando ele não tinha pessoas para atender,
púnhamos a conversa em dia.
Apesar
de querermos o melhor para a nossa sociedade, naquele tempo possuíamos
diferentes ideologias. Eu acreditava nos ensinamentos de Karl Marx e de alguns
dos seus seguidores e ele sempre foi fiel ao cristianismo, nomeadamente aos cristãos
que estavam mais próximos da Teologia da Libertação.
O
Padre Cassiano assumiu-se como homem de esquerda, mas nunca foi comunista, no
sentido de pertencer a um partido político ou ser “companheiro de jornada” de
qualquer partido político. Por ser tido como tal, foi caluniado e maltratado,
por “rapazes” que diziam querer libertar os Açores ou por saudosistas do Estado
Novo. Também foi vítima de adultos, ligados à igreja ou não, que achavam que
eram os donos da “palavra de Deus”, esquecendo-se de que, como muito bem
escreveu o Padre Manuel António Pimentel, “a fé cristã propõe pontos de
referência permanentes que iluminam a reflexão e inspiram a ação dos cristãos:
o primado da dignidade da pessoa humana sobre todas as coisas; a atenção
especial e prioritária dada ao pobre, ao fraco e ao oprimido, imagens vivas de
Cristo encarnado; o poder concebido como serviço e não como domínio; o respeito
pelo adversário; a abertura ao universalismo no combate a todas as formas de
racismo, xenofobia e nacionalismos exacerbados; a partilha e os destino
universal dos bens.”
Adepto
fervoroso do Sporting Clube de Portugal, o padre Cassiano apreciava ver uma
partida de futebol ao vivo. Assim, algumas vezes encontrei-o a assistir a
alguns jogos no Campo da Mãe de Deus quando tanto o Vasco da Gama- o meu clube-
como o Desportivo de Vila Franca passavam por bons momentos.
Recentemente,
descobri que o Padre Cassiano, não foi apenas um desportista de bancada, pois
também foi praticante do chamado desporto-rei. Com efeito, segundo o sr.
Alvarino Noronha, aquando da sua passagem pela Ilha de São Jorge, jogou futebol
no Grupo Desportivo da Ribeira Seca.
O
padre Cassiano esteve também ligado e marcado à minha vida familiar. Com
efeito, foi ele que, depois de uma recusa, em permitir o meu casamento pela
igreja por parte do Bispo de Angra, assinou uma declaração a comprovar que com
ele havia dialogado sobre o tema do matrimónio.
Foi
o Padre Cassiano que, em 1983, presidiu à cerimónia do meu casamento na Igreja
Paroquial do Pico da Pedra. Na altura, muitos dos presentes ficaram atónitos
com a originalidade da sua homilia que contrariava o que era “tradição”.
O
padre Cassiano não morreu. Permanece comigo até ao dia em que fechar
definitivamente os olhos.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32463, 23 de junho de 2021, p.15)
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