terça-feira, 29 de junho de 2021

Recordando a participação cívica do Padre Cassiano

 


Recordando a participação cívica do Padre Cassiano

 

Em 1976, o Padre Cassiano foi um dos fundadores do GRAP-Grupo de Reflexão e Ação Pastoral, que durante cerca de 20 anos teve uma intervenção cívica de relevo na vida da sociedade açoriana, através da tomada de posições públicas sobre os mais diversos temas da atualidade regional e até internacional.

 

Quando em muitas igrejas, os párocos, de forma mais ou menos velada, faziam a apologia de algumas forças partidárias, nomeadamente das mais conservadoras, o Padre Cassiano, e os padres Abel Vieira, Ângelo Valadão, Cipriano Pacheco, Fernando Teixeira, Humberto Clementino, João Maria Brum, João Maria Mendes, José Menezes, Pedro Lima, Raimundo Bulcão e Silvino Amaral, divulgaram o denominado Manifesto do Doze, datado de 10 de novembro de 1979, onde apresentaram uma reflexão sobre a participação política e cívica dos cidadãos.

 

No citado Manifesto, aqueles padres, depois de afirmarem que “votar é um ato livre e responsável”, não cabendo a eles “dizer em que partido votar”, afirmaram que para votar em liberdade era necessário, entre outras condições, saber que:

 

- “Os partidos não são feitos para defenderem uma religião, mas para resolver os problemas concretos da vida: o trabalho, o pão, a saúde, a escola, o salário, a luz, a água … e defender todos os direitos do Homem”;

 

- “Um partido não se avalia nem pela prática, nem pela não prática religiosa dos seus responsáveis, mas pelo serviço prestado ao povo.”

 

Depois de afirmarem que votar não era um ato religioso, mas político, os padres declararam “que a participação política não pode limitar-se a pôr um papelinho numa caixa de três em três anos. O POVO SABE O QUE QUER E DESEJA SER OUVIDO. Sabe que se não se mexer, não verá resolvidos os seus problemas”. O Manifesto vai mais longe e apela à participação das pessoas nas assembleias de freguesia e nas associações, como cooperativas e sindicatos.

O padre Cassiano não se ficou pela teoria, meteu as mãos à obra e ajudou os seus semelhantes, quer como oficial administrativo da Casa do Povo de Vila Franca do Campo, desde julho de 1975 até 1996, onde atendia os utentes, quer como dirigente sindical que foi do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Pública do Sul e Açores e do  Conselho Nacional da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses.

 

O nome do Padre Cassiano também está associado à luta contra a carestia de vida, através da criação na Casa do Povo de Vila Franca do Campo da chamada “Cantina” que fornecia géneros alimentícios e não só aos sócios a preços mais acessíveis.

 

Ainda no que diz respeito às relações laborais, em agosto de 1989, o referido GRAP refletiu sobre “A Igreja Local e o Mundo do Trabalho”, tendo, a dado passo do seu texto, lançado a seguinte questão: “estando a Igreja no mundo, e aqui também nos Açores, para anunciar o Evangelho e fomentar a solidariedade humana, poderá ela ser neutra ou omissa nas questões sindicais, não raramente conflituosas?”

 

O texto, que não perdeu atualidade em virtude do desemprego e da precaridade e exploração de que são vítimas muitos trabalhadores, termina afirmando que é dever da Igreja “contribuir para a causa  dos trabalhadores açorianos, sobretudo os mais pobres e discriminados, colocando-se do lado das organizações sindicais, cuja atividade, corretamente praticada, considera verdadeira obra de evangelização na medida em que, por ela, se busca a libertação e a dignificação do ser humano, objetivos pelos quais o próprio Jesus Cristo deu a vida.”

 

No que diz respeito às questões internacionais, guardo um documento policopiado, assinado pelo Padre Cassiano, em nome de um grupo de padres de São Miguel, datado de 17 de abril de 1980, intitulado “Óscar Romero- um testemunho a não esquecer”.

 

Óscar Romero, arcebispo de San Salvador, adepto da não violência, tinha sido assassinado, enquanto celebrava missa, por um atirador de elite do exército a mando do político de direita Roberto D’Aubuisson.

 

De acordo com o documento que mencionei, Óscar Romero foi morto porque “defendia a justiça, denunciava os abusos do poder, a repressão sobre um povo pobre e indefeso, condenava a violência estabelecida e tomava a defesa dos camponeses pobres”.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32469, 30 de junho de 2021, p.15)

 

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