quarta-feira, 6 de abril de 2022

Simão Toco e o Farol da Ferraria

 


Simão Toco e o Farol da Ferraria

 

Há alguns anos, o Manuel Pato, num dos passeios pedestres organizados pelos Amigos dos Açores, apresentou-me Carlos Toco, que trabalhava na extinta CTM- Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, a bordo do navio Ponta Delgada. Na altura troquei algumas palavras com ele e fiquei a saber que o seu pai, Simão Gonçalves Toco, havia sido ajudante de faroleiro no Farol da Ferraria.

 

No passado dia 25 de janeiro, acompanhei uma turma de uma colega minha da Escola Secundária das Laranjeiras numa visita ao Farol da Ferraria, que data de 22 de outubro de 1901 e possui uma torre de 18 m de altura e 107 m de altitude, possuindo um alcance de 27 milhas (50 km).

 

No farol, para além do magnífico e bem conservado edifício e de todo o equipamento que merece ser visitado, tive a oportunidade de ver uma fotografia de Simão Gonçalves Toco e uma placa com os seguintes dizeres: “Aqui viveu e prestou serviço, como ajudante de faroleiro, o cidadão Simão Toco (1963-1974), fundador do Tocoísmo”,

 

Depois da visita, decidi investigar mais sobre a vida de Simão Toco, recorrendo-me a pessoas amigas, que conheceram alguns dos filhos, e à internet.

 

Para além do filho, Carlos que estando reformado vive atualmente em Angola, Simão Toco trouxe para São Miguel duas filhas, Ilda Rosa que vive em Inglaterra e Esperança que já faleceu.

 

Maria Antónia Fraga conheceu e estabeleceu relações de amizade com as duas irmãs que eram pensionistas no Convento da Esperança e estudavam na Escola Comercial e Industrial de Ponta Delgada e Carmélio Rodrigues, antigo funcionário da Secretaria daquela escola, conheceu a Ilda e falou diversas vezes com Simão Toco quando este se deslocava àquele estabelecimento de ensino para tratar de assuntos relativos às filhas.

 

Simão Gonçalves Toco foi um nacionalista e líder religioso angolano que foi deportado com a família (filhos) pela ditadura salazarista para a ilha de São Miguel, em 1963, tendo permanecido cá até 1974.

 

Ao longo dos 11 anos que esteve em São Miguel Simão Toco, fundador do tocoismo, um dos maiores movimentos cristãos de Angola, que neste momento conta com sedes em vários países, nunca esmoreceu e trocou cartas com os seus seguidores naquela antiga colónia portuguesa.

 

Segundo ele, nos Ginetes, passou muitas dificuldades, recebia pouco, os filhos não podiam viver com ele e a mulher não veio para São Miguel por ser muito doente. Mais tarde, teve algum aumento e as filhas uma bolsa de estudo para poderem estudar.

 

Simão Toco não se envolvia na política, não era contra o estado e respeitava todas as religiões. Segundo ele, todos os cristãos deviam respeitar todas as crenças.

 

Após o seu regresso a Angola apenas a 31 de agosto de 1974, já depois da chamada Revolução dos Cravos, Simão Toco amante da paz, e antevendo o desentendimento entre os movimentos de libertação, tomou a iniciativa de promover conversações entre a FLNA, o MPLA e a UNITA com vista a um entendimento que permitisse uma transição pacífica rumo à independência.

 

Como é sabido, nem a sua iniciativa, nem outras tiveram qualquer sucesso, tendo-se seguido uma guerra fratricida, entre 1975 e 2002 com resultados desastrosos para a economia e sociedade angolanas e com mais de 500 mil mortes e mais de 1 milhão de pessoas deslocadas internamente.

 

Se no passado, os seguidores de Simão Toco foram perseguidos, presos e até mortos ou deslocados das suas terras para serem mais facilmente controlados, porque resistiram contra a exploração colonial, hoje os tocoistas são mais de 2 milhões em todo o mundo e Simão Toco é considerado uma das personalidades mais importantes na luta pela libertação os povos africanos.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32702, 6 de abril de 2022, p.11)

Sem comentários: