domingo, 23 de julho de 2023
Jardim António Borges: honra à memória dos amigos das plantas
Jardim António Borges: honra à memória dos amigos das plantas
Quem visita o Jardim António Borges, sai da ilha de São Miguel e viaja pelo mundo, pois nele encontra plantas dos vários continentes, com exceção da Antártida.
De acordo com o último levantamento florístico, da autoria de Raimundo Quintal, realizado no ano 2020, nos seus 3 hectares de área, é possível contatar com plantas pertencentes a 239 táxones. De entre as espécies que podem ser observadas, destacamos as endémicas dos Açores, como o azevinho (Ilex azorica), o pau-branco (Picconia azorica), o loureiro (Laurus azorica) e o folhado (Viburnum treleasei). Do continente americano, chamamos a atenção para a monumental árvore-orelha-de-elefante (Enterolobium cyclocarpum); de África, destaca-se o podocarpo (Afrocarpus falcatus); da Ásia, vale a pena observar a canforeira (Cinnamomum camphora); da Europa, distingue-se o choupo-branco (Populus alba) e, por último, da Oceânia, salienta-se a fotogénica árvore-da-borracha-australiana (Ficus macrophylla).
Neste texto, pretende-se homenagear o criador do jardim, António Borges da Câmara Medeiros (1812-1879), o padre Manuel Vicente (1866-1938) e Alice Moderno (1867-1946).
António Borges da Câmara Medeiros, apaixonado pelas plantas, para além de criador do jardim que hoje ostenta o seu nome, também criou o Jardim Pitoresco, nas Sete Cidades, foi um dos responsáveis pelo surgimento do Parque das Murtas, atualmente conhecido por Parque Dona Beatriz do Canto, nas Furnas, e, enquanto viveu em Coimbra, entre 1861 e 1868, colaborou com o Jardim Botânico de Coimbra, tendo oferecido várias árvores de fruto que adquiriu para o efeito, e terá projetado a Avenida das Tílias.
A paixão de António Borges pelas plantas era tal que José do Canto, numa das cartas de Paris dirigidas ao primo José Jácome Correa, depois de o considerar “excessivo em todas as cousas a que se aplica, e como é facilmente absorvido por ellas”, escreveu que naquela cidade aquele se entregou “única e exclusivamente às plantas; o dia todo é nos viveiros ou no Jardim das Plantas, e as noutes, com pequenas excepções, são empregadas em folhear catálogos e tomar notas”.
Outra característica de António Borges que foi destacada por José Bensaude é a de que não era um homem de ficar pelo trabalho de gabinete. Com efeito, para além de ser o responsável pelo desenho dos seus jardins, independentemente do estado do tempo, soalheiro ou chuvoso, era ele quem orientava os trabalhos de jardinagem.
Ao longo dos tempos, o Jardim António Borges teve períodos em que esteve menos cuidado. Um deles ocorreu após o falecimento de António Borges, até que, em 1922, um grupo de empresários decidiu proceder à sua recuperação.
Os trabalhos de jardinagem foram realizados sob a direção do Padre Manuel Vicente que, no dia da “inauguração”, foi visto a dar ordens aos trabalhadores calçando galochas de borracha por causa da humidade.
Como principal responsável pela “ressurreição” do jardim, o padre Manuel Vicente teve o cuidado de “salvar algumas espécies florestais de valor, desconhecidas no meio da ramaria selvagem e inextrincável” e de “reconstruir o traçado primitivo do jardim, fazendo desaparecer “modificações de bárbaros e improvisados jardineiros”.
O Padre Manuel Vicente foi também um dinamizador da vida do Jardim António Borges após a sua abertura ao público, em 1922. Com efeito, entre outras iniciativas, menciona-se a realização de um festival na noite de São João daquele ano, onde cantaram Miss Helen Bartlett e Mr. Edgar Accetta, e de uma “Festa Infantil”, no mês de julho, que constou de um grande baile de crianças, onde estas “dançaram animadamente ao som marcial da banda «União»”.
O Padre Manuel Vicente era conhecido por “Padre Chrysanthème por, de entre as flores que cultivava, dar destaque especial aos crisântemos, que chegava a expor nas montras de um estabelecimento comercial de Ponta Delgada para que todos os pudessem apreciar. Foram também da sua iniciativa exposições de flores no Palácio da Fonte Bela que eram muito bem acolhidas pelo público.
Quando faleceu, a sua paixão pelas flores não foi esquecida pelo poeta Espínola de Mendonça, que escreveu o seguinte:
“Amou a Arte, as flores, a Poesia,
votando-lhes profunda idolatria,
um acendrado amor.
Sacerdote bondoso, tolerante.
Na Família um exemplo edificante:
- Amigo e Protector
…
Amarílis, crisântemos, as flores
a que mais consagrou os seus amores,
cobriam-lhe o caixão.
E, curvadas, pendendo enternecidas,
pareciam dizer-lhe agradecidas,
A sua gratidão.”
A feminista e amiga dos animais, Alice Moderno, também esteve associada ao Jardim António Borges, em 1922, tendo na cerimónia de reabertura do mesmo recitado um soneto da sua autoria, dedicado ao Padre Manuel Vicente:
“Ao desvendar de um busto
Para aqueles que em vida porfiaram
- Fosse qual fosse campo, a arena ou liça-
No sonho de beleza que sonharam
- Acorda sempre o dia da justiça.
É lenta a gestação. A Consciência,
Fecundada ao calor de muitos sois,
Já tarde reconhece o preço á Sciencia
E glorifica as cinzas dos Herois.
Quantas vezes, alegres, passeamos
Á sombra hospitaleira destes ramos
E a memória do Autor ainda esquecida …
Soou enfim a inevitável hora
E não será lembrada só, agora,
Dos passaros na orquestra enternecida.”
Menos conhecida do público é a preocupação de Alice Moderno com a conservação da Natureza e, em particular, a sua paixão pelas plantas. Com efeito, sobre as árvores, em vários números do seu jornal “A Folha”, escreveu o seguinte:
“Plantar árvores é não só amar a natureza. Mas ainda ser previdente quanto ao futuro, e generoso para com as gerações vindouras. Cortá-las ou arrancá-las a esmo, sem um motivo justo, é praticar um acto de selvajaria.” (12/2/1913)
“A árvore é confidente discreta dos namorados e a desvelada protetora dos pássaros – esses poetas do ar. A árvore é a maior riqueza da gleba, o maior tesouro dos campos e o maior encanto da paisagem!” (15/3/1914)
Em 1940, a propósito de uma campanha movida contra os metrosíderos do Campo de São Francisco, Alice Moderno, num texto publicado no Correio dos Açores, abriu o seu coração, tendo afirmado o seguinte:
“Tenho pelas árvores, em geral, uma paixão, e tanto que nos escassos palmos de terra que possuo, nunca, apesar de atravessar uma época em que os ananaseiros desasados, em cujo número me incluo, necessitarem de recorrer a todas as economias e aproveitamentos, nunca, repito, mando abater e reduzir a achas uma árvore que não tenha tido morte natural.”
Teófilo Braga
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