terça-feira, 29 de novembro de 2016

Do ensino




Do ensino

1- Mudar a rota

Através da comunicação social tomei conhecimento de que um grupo de professores pretende instalar na ilha de São Miguel uma escola inspirada na Escola da Ponte que teve como principal impulsionador o pedagogo José Pacheco.

Desconheço o que terá levado os mencionados professores a pensar numa escola diferente, mas penso que não estarei longe da verdade se disser que as principais causas serão a sua insatisfação relativamente ao funcionamento das nossas escolas e aos métodos de ensino usados, que não despertam qualquer interesse nos alunos já de si desmotivados e que fazem com que muitos deles nada ou muito pouco aprendam.
Ultrapassadas as barreiras burocráticas, considero que o resto será mais fácil, pois como escreveu, recentemente, José Pacheco todos os tratados que visam salvar a educação já estão escritos, só falta “refundar a escola, salvar a educação, sair da zona de conforto”.

Espero que os meus colegas envolvidos no projeto Novas Rotas sejam bem-sucedidos e que pelo menos algumas crianças desta terra tenham a possibilidade de serem educados para e na autonomia.

2- Pregar no deserto

Há turmas, principalmente de alunos mais novos, em que nem uma pequena exposição feita pelo professor é seguida com atenção, havendo mesmo alunos que não são capazes de não se distraírem durante a projeção de um pequeno vídeo de dez minutos.

Vem de longe o combate ao ensino expositivo que não motiva e cansa os alunos e que acaba por ser doloroso para os próprios professores, pois não veem o seu esforço compensado.

Sobre este assunto, já em 1900, o jornal “Estrela Oriental”, num texto não assinado, escreve que o que é preciso fazer é “a educação da inteligência e do coração, o cultivo de todas as faculdades, a formação do homem e do cidadão. Ora tudo isto exige esforço pessoal, cooperação efetiva do discípulo no trabalho do Mestre, incessante colaboração na sua obra, segundo o adágio de um pedagogista moderno: “ o que faz o mestre é pouco, o que faz fazer é tudo…”

Quase todos os dias, ouvimos vários professores desanimados por terem tanto trabalho na preparação das aulas e não obterem os resultados esperados por parte dos alunos. Cada caso é um caso, não sendo possível a generalização, mas se é verdade que há turmas em que há alunos interessados e que conseguiam adquirir os conhecimentos constantes dos conteúdos programáticos, independentemente dos métodos, ativos ou passivos, usados pelos professores, há outras em que se os alunos não forem envolvidos ativamente na aquisição de conhecimentos nada aprenderão.

O jornal referido, acima, relata o caso de um jovem professor que deu uma aula magistral mas que foi um fracasso pois os alunos interrogados sobre a mesma nada souberam responder.

Interessante foi o diálogo entre o professor e o inspetor que havia assistido à aula e que abaixo se transcreve:

“Amigo, acaba de dar uma lição que muito me interessou”- “Ah! Respondeu o outro, dei-a com toda a alma, mas o êxito não correspondeu aos meus esforços: os pequenos ficaram tão ignorantes como estavam; talvez não me tivessem compreendido”. – “E, contudo, eles estiveram atentos ou pelo menos sossegados; verdade é que eu estava aqui; se não fosse isso, talvez se tivessem distraído. O amigo falava, mas eles não diziam nada. Amanhã serei eu que hei-de dar a lição. Em vez de dizer aos discípulos como eles devem fazer, trabalharei com eles, em vez de lhes dizer como e onde se encontram as ideias, eu as buscarei com eles, segundo o conselho de Montaigne: “ Não quero que o mestre seja o único que invente e fale na escola; quero que ouça e faça falar também o discípulo”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31093 de 30 de novembro de 2016, p. 13)

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