quarta-feira, 29 de março de 2017
O Dr. Guilherme Fraga Gomes e a sua mata (2)
O Dr. Guilherme Fraga Gomes e a sua mata (2)
Convidado pelo Dr. Carreiro da Costa, o Dr. Guilherme Fraga Gomes escreveu dois textos para o Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores sobre fetos. O primeiro “A Beleza dos Fetos” foi publicado, em 1949, no número 10 daquela publicação e o segundo “A propósito do feto do cabelinho”, no número 11.
Hoje, apenas farei referência ao texto que o médico madeirense, Fraga Gomes, publicou sobre os fetos existentes na mata que hoje ostenta o seu nome, localizada junto à estrada regional de acesso às Furnas.
O médico Fraga Gomes, apaixonado pelas plantas, no seu texto faz referência a 27 (vinte e sete) fetos, alguns dos quais não identificados e outros com nome “impróprio” ou “talvez errado” pois como ele escreveu: “isto de identificar criptogâmicas tem dificuldades e muita música para quaisquer curiosos que não podem nem devem confiar nas próprias reminiscências e impressões pois, como amadores, fazem, mais ou menos, papel de papagaios.”
Dado o espaço disponível, a seguir apresenta-se alguns dos fetos mencionados pelo Dr. Fraga Gomes e que ainda poderão ser encontrados na mata ou na ilha de São Miguel.
A língua cervina (Phyllitis scolopendrium) que, segundo Fraga Gomes, não parece um feto, possui “folhas inteiras de 40 centímetros de comprimento por 5 de largura”. É um feto que existe em todas as ilhas dos Açores e é nativo da Macaronésia e da Europa.
O Asplenium marinum que tem como habitat “o terreno pobre da beira-mar” foi introduzido na mata e adaptou-se bem. De acordo com Fraga Gomes, as suas “folhas” são “lustrosas, segmentadas, de nervuras pretas, de 30 a 40 centímetros de comprimento”. Existe em todas as ilhas dos Açores e é nativo da Macaronésia e Europa Ocidental.
O feto-dos-muros (Polypodium azoricum), que foi transplantado de uma parede, onde se dá muito bem, é uma espécie endémica dos Açores que outrora foi muito usada para ornamentar os presépios. Existe em todas as ilhas dos Açores.
O feto do mato ou feiteira (Pteridium aquilinum) que hoje é “ uma dor de cabeça” para quem quer manter os seus terrenos sem “infestantes”, foi usado “pelos leiteiros” para rolhar “o bocal dos potes” e, segundo Fraga Gomes, “em épocas remotas de fomes, com os rizomas e raízes seco se reduzidos a farinha, houve quem simulasse pão com que foram enganados os estômagos de pobres e até de abastados, que não tinham onde comprar trigo, milho e outros alimentos”.
O feto de cabelinho (Culcita macrocarpa) com a sua beleza ímpar é um endemismo da Macaronésia que existe, também, em alguns locais da Península Ibérica. Ao contrário do anterior, este feto teve uma grande utilidade pois com o “cabelo” eram enchidas as almofadas.
Em 1893, Gabriel de Almeida depois de referir que “as raízes do rizoma são escuras, sedosas, brilhantes e muito leves, e por isso mui próprias para almofada ou enchimento de coxins”, menciona que o cabelinho “constitui artigo de comércio para Portugal e Brasil” e acrescenta o seguinte: “ a perseguição que por este motivo se faz à espécie, dá lugar a que se vá tornando rara sem querer ver-se, que por este caminho se extinguirá nas ilhas num futuro próximo uma das suas mais formosas plantas”.
O feto-do-botão (Woodwardia radicans) que é muito comum na Madeira e nos Açores, ornamentando algumas estradas e caminhos rurais foi considerado, por Fraga Gomes, como “muito bonito”. De acordo com o botânico alemão Hanno Schäfer, o feto-do-botão, que é nativo da Macaronésia, Sudoeste da Europa, Ásia e América Central, existe em todas as ilhas dos Açores, exceto na Graciosa.
Por último, apresenta-se o feto craca (Angiopteris evecta) originário da Malásia, Polinésia, Nova Guiné e Austrália.
Este feto muito bonito, que deve o seu nome, segundo Fraga Gomes, ao “aspeto áspero, rugoso, pedregoso do conjunto da inserção das nervuras verdes das folhas”, é usado, entre nós, como ornamental. Nas regiões donde provém foi usado na alimentação e na medicina popular.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31192, 29 de março de 2017, p.16)
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