domingo, 5 de março de 2017
René Dumont
UTOPIA OU MORTE
Teófilo Braga
Com o texto que apresento hoje, pretendo prestar uma singela homenagem ao engenheiro agrónomo francês, René Dumont, considerado por muitos como o “pai” da ecologia política, falecido, em Paris, no passado mês de Junho .
René Dumont, nascido em 1904, o “agrónomo da fome” como também era conhecido, foi professor no Instituto Agronómico de Paris- Grignon, tendo percorrido o mundo em luta contra o subdsenvolvimento e a fome. Dumont foi autor de dezenas de livros, dos quais se destacam “Pour l’Afrique, J’Accuse” e “Democratie pour l’Afrique”, em que denunciou o desperdício de recursos naturais e humanos em África, e “ L’Utopie ou la Mort”, que vendeu milhões de exemplares em todo o mundo, onde abordava, entre outros, os riscos do nuclear, a poluição do ar e da água, os perigos causados pelo abuso de adubos e pesticidas e o facto dos ricos dos países ricos serem responsáveis pela desnutrição de milhões de crianças em todo o mundo.
A obra “Utopia ou Morte” foi um marco importante no desenvolvimento do movimento da ecologia política que se opõe à “ideologia do crescimento ilimitado e à acumulação infindável de bens em que assenta a sociedade de consumo actual”, privilegia a actuação a nível local e regional, a qual é combinada com a participação eleitoral que, por sua vez, é concebida como acção educativa. A este propósito, o Prof. Henrique de Barros, antigo Presidente da Assembleia da República e também agrónomo, no prefácio à edição portuguesa, editada pela Livraria Sá da Costa, escreve o seguinte: “... esta sua nova obra, corajosa como raras, polémica como poucas, despertou imenso interesse, provocou viva controvérsia, animou comportamentos, suscitou adesões, forçou muitas portas, abriu muitos olhos, contribuiu mais do que nenhuma outra, para como escreve Alain Hervé, fazer nascer essa recente disciplina, que exprime nova atitude do Homem para com a Terra, e já se começa a chamar a ecologia política”.
René Dumont quando, em 1973, escreveu “Uma sociedade aprazível, descontraída, serena, em harmonia com a natureza, continua a ser-nos acessível, mas somente o futuro nos trará, sucessivamente, uma série de respostas sempre imperfeitas. Não está escrito: dependerá de vós jovens leitores. Sereis individualmente recompensados pelos resultados da vossa acção colectiva: os militantes bater-se-ão em prol dos outros. Se os deixardes demasiado sós, serão vencidos. Mas, sobretudo, não partais “antecipadamente vencidos”” não se ficou pelos apelos. Um ano depois, apoiado por algumas associações de defesa do ambiente, candidatou-se às eleições presidenciais francesas. Na ocasião, no seu manifesto “Por uma outra civilização”, apelava contra: o desperdício dos recursos naturais; a exploração do Terceiro Mundo e dos trabalhadores; a concentração do poder nas mãos dos tecnocratas, o cancro do automóvel; a corrida aos armamentos; o galopante crescimento demográfico; o superconsumo dos países ricos à custa dos países pobres. Lutava, igualmente, por: uma limitação do crescimento económico obstinado; uma sociedade descentralizada e autogerida; uma redistribuição igualitária das riquezas; uma diminuição radical do tempo de trabalho, evitando o desemprego; a protecção da natureza e do campo; um urbanismo à escala humana; o respeito pelas liberdades das minorias; técnicas descentralizadas, não poluentes e baseadas nos recursos renováveis. Mesmo com uma forte oposição de vários sectores do movimento ecologista que se abstiveram de participar e de outros que apelaram ao voto quer nos candidatos de esquerda ou de direita, René Dumont conseguiu obter 1,34% dos votos e, mais importante do que isso, fez com que o movimento eclodisse.
Terminaria, lembrando que, ao contrário do que pensam algumas pessoas ligadas às mais diversificadas associações, entre elas as de defesa do ambiente, não é nenhum demérito ser apodado de utópico ou de fundamentalista. A esse respeito e a propósito do livro e da acção de René Dumont, Henrique de Barros escreveu “encaremos de frente e sem temor a utopia, todas as utopias, essas loucas fantasias de hoje que serão as sensatas realidades de amanhã”.Sobre o mesmo assunto, outro ilustre fundador do pensamento e da acção em defesa do ambiente em Portugal, Manuel Gomes Guerreiro, falecido a 10 de Abril de 2000, disse: “os ecologistas não deverão recear serem considerados utópicos ou mesmo fundamentalistas: a história lhes dará razão e lhes agradecerá”.
(Publicado no Açoriano Oriental, 13 de Agosto de 2001)
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