terça-feira, 26 de setembro de 2017

Manuel Soares e o seu tempo (1)


Manuel Soares e o seu tempo (1)

Com este texto, mais do que fazer a biografia de um homem comum, o meu avô Manuel Soares, que durante cerca de 80 anos andou a trabalhar na terra, sobretudo a tratar das suas vacas, pretendo relatar alguns episódios que o mesmo contava ou relembrar alguns acontecimentos que ocorreram enquanto o mesmo viveu. Nalguns casos, devido à sua baixa escolaridade e à não existência dos meios de comunicação que temos hoje, ele nem sequer tomou conhecimento dos mesmos. A propósito, recordo que o primeiro aparelho de rádio só entrou na sua casa, comprado pelo meu pai, quando a sua idade já andava perto dos setenta anos e os jornais, levados por mim, um pouco mais tarde.

Manuel Soares, filho de Mariano Soares de Oliveira Júnior, de Água d’Alto, e de Teresa de Jesus (Brum) nasceu a 3 de agosto de 1895 em Vila Franca do Campo.

Naquele ano, a 8 de novembro, o físico alemão Wilhelm Conrad Röntgen descobriu os raios X, que mais tarde foram utilizados na medicina. Meu avô, apesar de ao longo da vida ter partido várias costelas, só viria a beneficiar da sua utilização com a idade aproximada de 90 anos.

No mesmo ano, no dia 19 de outubro, um violento tremor de terra sacudiu Vila Franca do Campo. Não sei se por teimosia ou por se ter habituado desde criança, meu avô não respeitava os conselhos da Proteção Civil para as pessoas abandonarem as casas durante as crises sísmicas e procurarem um lugar mais seguro.

Não sei se meu avô chegou a saber o nome do descobridor dos raios X, mas há uma personagem da história de Portugal que ele por diversas vezes falava, pois conheceu alguém que o tinha visto, o chefe dos Vátuas, Gungunhanha que terá sido preso, em Moçambique, no dia 27 de Dezembro de 1895 e que esteve exilado na ilha Terceira entre 1896 e 1906.

Outra figura mencionada por meu avô era a do Rei Dom Carlos, que, segundo ele, era um grande homem. Quando o rei passou por Vila Franca, em 1901, Manuel Soares tinha seis anos. Desconheço se meu avô considerava Dom Carlos, amado por uns e odiado por outros, como um bom rei ou se apenas se referia à sua altura.

O meu avô viu os reis no dia 10 de julho de 1901, vindos das Furnas. Em Vila Franca do Campo Dom Carlos e Dona Amélia foram recebidos na Câmara Municipal onde receberam os cumprimentos das autoridades concelhias. Segundo notícia publicada no jornal “O Autonómico”: “Em frente do edifício acumulavam-se milhares de pessoas da vila e das povoações rurais, cujos campos abandonaram desde que suas Majestades entraram em S. Miguel, e ali vivas aclamações se soltavam de todas as bocas”.

Em relação às suas habilitações literárias, a consulta do seu certificado, passado a 18 de julho de 1908 pelo professor da escola da Freguesia de S. Pedro, Jayme Maria Borges, permite sabermos que estava “optimamente habilitado no 1º grau de instrução primária preceituado no artigo 2º do decreto nº 8 de 24 de dezembro de 1901 e nos termos do respectivo programa”.

O decreto referido dividia o ensino primário em 1.º grau e em 2.º grau e definia as suas matérias e considerava o 1º grau obrigatório para ambos os sexos desde os seis anos aos doze anos completos. O meu avô enquanto frequentou a escola também esteve abrangido pelas disposições constantes do Decreto n.º 4 da Direção Geral de Instrução Pública de 19 de Setembro de 1902 que reafirmava que “o ensino primário do 1.º grau é obrigatório para todas as crianças de ambos os sexos domiciliadas no Continente do Reino ou Ilhas Adjacentes, desde os seis aos doze anos completos de idade” mas acrescentava que estavam “isentas dessa obrigação as crianças que residam a mais de 2 km de distância de escola gratuita pública ou particular”.

Estava Manuel Soares a terminar a sua escolaridade quando, a 1 de fevereiro de 1908, ocorreu o regicídio que o jornal monárquico vila-franquense “O Autonómico” classificou como ato infame e bárbaro.
(continua)

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31341, 27 de setembro de 2017, p. 9)

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