sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

O Jardim António Borges: apontamentos históricos

 


O Jardim António Borges: apontamentos históricos

 

António Borges da Câmara Medeiros, 3° filho do morgado António Pedro Borges da Câmara Medeiros e de Maria Francisca de Andrade e Albuquerque Bettencourt nasceu no solar do Calço da Furna, na Fajã de Baixo, a 14 de junho de 1812 e faleceu em Ponta Delgada, no dia 19 de março de 1879.

 

O seu interesse pelas plantas, jardins e agricultura poderá estar associado ou foi potencializado pelo facto de António Borges ter frequentado um curso agrícola na escola de Grignon, em França.

 

Seguindo o exemplo de José do Canto e de José Jácome Correia, António Borges iniciou, em 1858, a construção de um jardim no prédio que possuía na Lombinha.

 

Tudo leva a crer que seja da sua autoria o desenho do jardim e é sabido que ele dirigia os trabalhos de jardinagem, mesmo em condições atmosféricas adversas.

 

A maioria das espécies exóticas mandadas plantar por António Borges foram adquiridas por ele durante algumas viagens que fez pela Europa, sobretudo a viveiristas tanto em Paris como em Londres ou na Bélgica.

 

Com o falecimento de António Borges, durante alguns anos o jardim não teve a manutenção que devia até que, em 1922, um grupo de empresários propôs-se resgatá-lo “do seu atual sequestro, como propriedade particular que é, restituindo-lhe as condições que faziam d’esse pedaço de torrão um dos mais invejáveis embelezamentos citadinos”.

 

De acordo com uma notícia publicada no Correio dos Açores, no dia 1 de abril de 1922, o grupo citado, constituído pelo Dr. José Jacinto de Andrade Albuquerque, proprietário do jardim, Pedro de Lima Araújo, Manuel José de Vasconcelos, Manuel Joaquim Raposo e José Cristiano de Sousa, decidiu pôr mãos à obra com vista à recuperação do jardim, tendo por fim a criação de “novas condições que ali chamem o grande público como local de recreio, com iluminações, música, pavilhões para refrescos, cinematógrafo, jogos, sports, etc.”.

O principal responsável pelos trabalhos de recuperação do jardim foi o Padre Manuel Vicente, como provam as notícias publicadas nos jornais da época. Assim, o Diário dos Açores, de 9 de junho de 1922, relata uma visita ao jardim a poucos dias da sua inauguração e refere que, para além dos membros da sociedade, esteve presente “o técnico-amador dirigente dos trabalhos sr. Padre Manuel Vicente”.

 

À mesma conclusão se chega através da leitura do Correio dos Açores, de 10 de junho de 1922, quando é afirmado o seguinte: “Como chegámos à tabela, segundo nosso hábito, e os restantes convidados estivessem em tardança, guiados pelo Padre Manuel Vicente, que de galochas de borracha, por causa da humidade, sobretudo cautelosamente abotoado, olhar inspirado de criador, abrindo os braços, dava ordem a uma pequena tribo de trabalhadores…” e mais adiante : “Padre Manuel Vicente dispôs em volta dessa homenagem ao fundador do maravilhoso jardim uma decoração artística e sóbria, de flores e plantas e nessa nesga em que as árvores dum lado e outro da avenida se cruzam em fraternal abraço, o busto de António Borges…”

 

O Padre Manuel Vicente foi também um dinamizador da vida do Jardim António Borges após a sua abertura ao público, em 1992., como demonstram duas das suas iniciativas.

 

Na noite de São João de 1922, realizou-se um festival no Jardim António Borges, onde, a convite do Padre Manuel Vicente, cantaram Miss Helen Bartlett e Mr. Edgar Accetta. O jornal Diário dos Açores de 26 de junho, deu os parabéns àquele sacerdote “pelo êxito completo de mais esta festa tão distintamente organizada”.

 

O mesmo padre também organizou no mês de julho de 1922, no Jardim António Borges, uma “Festa Infantil” que constou de um grande baile de crianças. De acordo com o Correio dos Açores, de 25 de julho, “as crianças dançaram animadamente ao som marcial da banda “União” e até “as pessoas sisudas começavam a esboçar atitudes de querer participar das danças”.

 

No dia 11 de setembro de 1957, depois de mais um período de abandono, o Jardim António Borges foi inaugurado como Parque da Cidade.

 

O jardim foi comprado pela Câmara Municipal de Ponta Delgada, presidida pelo Dr. Manuel da Silva Carreiro, aos herdeiros de António Borges, nomeadamente o Dr. José Jacinto de Andrade Albuquerque de Bettencourt e o seu filho, o engenheiro agrónomo Caetano de Andrade Albuquerque de Bettencourt.

 

Para além das verbas da própria Câmara Municipal, a aquisição do jardim só foi possível com o apoio da Junta Geral do Distrito, sendo governador o Dr. Carlos de Paiva, que inscreveu no seu orçamento uma importante verba e à colaboração do Ministério das Obras Públicas que também comparticipou financeiramente.

 

De acordo com o discurso do Dr. Manuel Carreiro proferido na inauguração, os principais trabalhos de restauração do jardim, que demoraram um mês e meio, foram, entre outros, os seguintes: recuperação de muros em ruínas, demolição de “construções motivadas pela exploração do cinema, que tanto desfeavam a entrada do jardim”, beneficiação do “grande reservatório de água e o modelar sistema de canalização”, regularização e revestimento de tetim das principais ruas, desentulho e cimentação dos lagos, colocação de relva em alguns espaços, fixação de bancos, construção de um parque infantil e vedação da parte sul.

 

Na visita que se seguiu à cerimónia de inauguração, onde os convidados foram acompanhados pelos membros da Câmara Municipal de Ponta Delgada e pelo Eng. Estrela Rego, a reportagem do Diário dos Açores dá destaque a “uma «ficus», de grandes e majestosas raízes aéreas e a “uma imponente araucária e outras árvores e palmeiras de regiões tropicais”.

 

Através de um desdobrável editado recentemente, fica-se a saber que a Câmara Municipal de Ponta Delgada, em 1968-70, construiu um aviário, um recinto para macacos e uma cerca para uma zebra.

 

Em 1987, a triste ideia do senhor Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada de “encher” o Jardim António Borges “de diversas espécies animais com o objetivo de constituir um polo de atração para a população citadina, que passava a frequentar, com mais assiduidade, aquela zona verde e a gozar os benefícios daí advindos, foi colhida sem aparente oposição no meio local”, exceto pelos Amigos dos Açores que defenderam que no jardim deviam ser feitos todos os melhoramentos possíveis, mas para que fosse classificado como Jardim Botânico.

 

Em 1999, finalmente a Câmara Municipal de Ponta Delgada, através do vereador Melo Medeiros, numa reportagem publicada no Diário dos Açores, no dia 9 de julho, deu a conhecer que “as principais preocupações da atual vereação em relação a esses espaços verdes [Jardim António Borges, Jardim Antero de Quental, Jardim Padre Sena Freitas e Relvão] são a sua conservação, embelezamento, dignificação e segurança” e  reconheceu “que no passado foram introduzidos elementos estranhos e incompatíveis com a natureza do Jardim António Borges, como a de animais de grande porte” e “o parque infantil”. Na mesma reportagem, o vereador Melo Medeiros garantiu a manutenção do parque infantil “por razões sentimentais, por servir de espaço de divertimento a muitas gerações”.

 

Já no século XXI, em 2008, ficou concluído o projeto de identificação das principais espécies botânicas do jardim, a que se seguiu, em 2010, a colocação de 153 placas de identificação botânica.

 

Mais recentemente, no ano 2020, por solicitação da Câmara Municipal de Ponta Delgada, Raimundo Quintal, especialista em fitogeografia, elaborou o elenco florístico do Jardim António Borges que é constituído por “239 táxones pertencentes a 154 Géneros e a 82 Famílias”. Na mesma altura foram colocadas cerca de 580 placas identificativas, cada uma com a indicação do nome científico, do nome vulgar, da família e da origem.

 

Teófilo Braga

(Entre Ilhas, nº1, novembro de 2021)

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