domingo, 8 de setembro de 2024

Teófilo Braga e Ângelo Jorge

 


Teófilo Braga e Ângelo Jorge

 

No ano em que se assinala o centenário do falecimento de Teófilo Braga (1842-1924), uma das principais figuras do Partido Republicano Português, que chegou a ser Presidente da República, achamos por bem homenageá-lo, dando a conhecer o seu relacionamento com o anarquista naturista portuense Ângelo Jorge (1883-1922).

 A relação de amizade entre o republicano Teófilo Braga e o anarquista Ângelo Jorge pode ser comprovada através das seguintes publicações (livros, panfleto e revistas) existentes no “Arquivo Teófilo Braga” existente na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada:

- Libertas;

- Espírito sereno, com uma carta do Dr. Teophilo Braga a auctor ácerca da poesia dos poetas modernos;

- Dôr Humana.

- “Luz e Vida”, nº 3 (revista).

 

Nas três publicações não periódicas, Ângelo Jorge escreveu dedicatórias a Teófilo Braga e no “Espirito Sereno” foi publicado o texto deste que abaixo se transcreve:

 

“Lisboa, 6 de Outubro de 1908

 

PRESADISSIMO AMIGO:

 

Recebi a sua generosa homenagem do livro Dor humana e o folheto Libertas; devia ter logo agradecido, se complicados trabalhos que tive de dispor para a minha ausência de Lisboa me não tivessem forçado a acudir ao mais clamoroso. Pouco depois de tr regressado a casa, recebi a sua carta de 25 de Setembro mostrando-me que não o tinha melindrado o meu silencio, o que deveras me cativa, e confessando-me que necessita da minha opinião para continuar o caminho encetado. Li a Dor humana e o Libertas! Ficando com uma grata impressão, pela sua emoção de sinceridade, pela aspiração a que se eleva o seu espirito; tem vigor e ímpetos de alma. Mas a Poesia não se julga só pelos versos; ha muita gente que faz versos bem feitos, bem rimados, visando só ao effeito rhetorico, á emphase, ás imagens arrojadas; enfim, fazerem uma coisa que reluz, que não é oiro. Imitam as correntes dominantes: Victor Hugo, Musset, Beaudelaire, os Parnasistas, dynamisados em Junqueiro e outros. Mas a Poesia, o estado de alma de uma época, de uma gração, de uma individualidade, essa não a suspeitam mesmo de longe, porque para comprehendel-a é preciso ser instruído, identificar a synthese poética com a philosophica. Como poderão conseguir esta alta expressão e concepção poética espiritos que tem para si que a absoluta ignorância é a condição para manter a originalidade poética? D’ahi vém, que os que querem ser poetas nem disciplinam a intelligencia, nem universalizam o sentimento, nem se preocupam com o conhecimento da marcha da Poesia para seguir e realizar a sua evolução. Dá-se na Poesia o mesmo que na Musica: qualquer musico, Beethoven, Weber ou Wagner, e mesmo os subalternos, Clementi, Paesiello, Verdi, Puccini, representam uma corrente de que tem mais ou menos a consciência: uns abrem o caminho e vão adiante, outros seguem atraz, ás vezes sem saber para onde vão. São assim os nossos poetas: poucos tem individualidade sua, mas não chegaram á posse plena da sua consciencia esthetica ao serviço da synthese sentimental.

 

Passa-se na Poesia uma revolução: saiu-se do Petrarchismo, que foi uma synthese poética da Edade média, que atravessou a Renascença e que predominou no Romantismo, dissolvendo-se em diffusão rhetorica. Deve seguir-se o novo Lyrismo; e essas correntes de parnasismo, decadismo, nefelibatismo são a desorientação cahotica dos que não entrevêem a Nova Ordem.

 

Para ser um Poeta moderno não basta ir com os outros, mas com a compreensão de espirito do tempo, fugindo das macaqueações do tolstoismo, do hugoismo, tão fáceis para dar diplomas de genio ao cabotinismo.

 

Amigo obrigado,

THEOPHILO BRAGA”

 

Teófilo Braga também colaborou com Ângelo Jorge através da escrita de um texto na revista mensal “Luz e Vida” por ele dirigida, que se publicou no Porto entre fevereiro e julho de 1905. “Luz e Vida” era uma revista libertária ou anarquista que defendia uma sociedade livre, igualitária e fraterna.

 

No terceiro número da revista dedicado à Lei de 13 de fevereiro de 1896, datado de abril de 1905, que punia com deportação para África e Timor quem professasse doutrinas anarquistas, Teófilo Braga foi autor de um texto de repúdio, que abaixo se transcreve na íntegra:

 

“Acções ha, que além de inflamarem quem as pratica, deshonram todos os que as toleram. É o caso da Lei de 13 de Fevereiro. Os nomes dos ministros que redigiram e assignaram essa Lei execranda, sumir-se-hao no limbo do esquecimento d’onde casualmente surgiram, ficando impunes á sombra da sua propria nulidade; mas a vergonha nacional de uma Lei que affronta a consciencia humana ficará caracterizando Portugal como um tracto africano na Europa civilizada.

 

A Lei de 13 de Fevereiro é um delirio de covardia, que contradiz todos os progressos realizados no Direito; estabelece a retroactividade para actos que hoje considera crimes, ainda no dominio moral, mesmo na intnção subjectiva; e impondo a pena ao acto não effectuado, não lhe basta a condemnação pelo Poder Judicial, entrega a execução ao arbitrio do governo para ampliar a pena no tempo e forma que lhe convenha!

 

É esta a essencia da Lei de 13 de Fevereiro um perigo social, e um documento de degradação nacional.”

 Ponta Delgada, 8 de julho de 2024

 T. Braga

 Letra a Letra, nº 14, outubro de 2024

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