segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Os autonomistas eram progressistas?

 


Os autonomistas eram progressistas?

 

Nos Açores foram três os movimentos autonomistas: o primeiro ocorreu no final do século XIX, em 1893-94; o segundo nos anos vinte do século passado; e o terceiro teve lugar após o golpe militar de 25 de Abril de 1974.

 

O primeiro movimento autonomista surgiu numa época de crise económica, de que é exemplo o declínio da produção e exportação da laranja, que foi acompanhado da procura de alternativas quer em termos de produção agrícola quer da criação de indústrias, o que só teria viabilidade com a redução de impostos e a eliminação de obstáculos burocráticos que se colocavam à criação de indústrias e à circulação de mercadorias.

 

De acordo com João (1991-92), “a gota de água que desencadeou o movimento autonomista, em Ponta Delgada, foram as imposições tributárias sobre a produção do álcool industrial e a perspetiva de um monopólio de venda e retificação do mesmo, a nível nacional. Nas outras ilhas, em particular na Terceira, tinha havido uma grande agitação contra a uniformização da moeda, porque elevava os impostos pagos pelos açorianos”.


Este movimento, tal como os que lhe sucederam, apresentava um cunho conservador e ligado às classes mais abastadas, sendo liderado por “eminentes representantes da oligarquia fundiária micaelense, um abastado comerciante e industrial, acionistas da indústria do álcool, quadros do funcionalismo e membros de profissões liberais. Além do advogado Aristides Moreira da Mota e do médico Mont'Alverne de Sequeira, pontificavam na Comissão de Propaganda e Promotora da Autonomia nomes das mais importantes famílias da ilha de S. Miguel, como Caetano d'Andrade Albuquerque, José Maria Raposo d'Amaral, chefe dos progressistas a nível local, Pedro Jácome Correia, líder dos regeneradores, Jacinto Silveira Gago da Câmara, conde de Fonte Bela” (João, 1991-92).

 

Por sua vez, Sacuntala Miranda (1995), sobre o primeiro movimento autonomista, escreveu o seguinte: “... é um fenómeno urbano, que tem como esteio principal uma burguesia letrada que, habilmente, consegue trazer para o seu campo a aristocracia terratenente, canalizando os ressentimentos e receios desta para a batalha autonomista. O povo trabalhador, esse, largamente marginalizado da arena política, continua a reger-se pelos cânones de uma deferência ou ‘solidariedade vertical’ de Antigo Regime e a cumprir o seu destino secular, abandonando a ilha em vagas cada vez mais volumosas”.

 

O segundo movimento autonomista teve início já durante a I República, também num período de problemas económicos e financeiros provocados pela participação portuguesa na Grande Guerra. Surgiu em 1919 e prosseguiu até 1925, com ponto alto nos anos de 1922 e 1923.

 

João (1991-92) apresenta duas justificações para o surgimento deste segundo movimento autonomista: por um lado, a oposição ao programa “socializante” da República que, apesar de não se concretizar na prática, não era bem acolhido pelos mais poderosos (capitalistas, proprietários rurais, Igreja, etc.); e, por outro, pelo facto de os republicanos democráticos não terem cumprido a promessa de criação de legislação descentralizadora.

 

Tal como o primeiro movimento, este apresenta um carácter conservador, liderado por monárquicos. Entre os seus líderes destacamos Aristides Moreira da Mota, Guilherme Fischer Berquó de Poças Falcão, o conde de Albuquerque, Luiz de Bettencourt Medeiros e Câmara, António José da Silva Cabral e Francisco Carvalhal. Estes, nas eleições de 1921, escolheram para candidato a deputado António Hintze Ribeiro, monárquico ativo, seguidor de Paiva Couceiro, que participou na “Monarquia do Norte” (1919), acabando por ser preso. Depois do golpe de 1926, em 1932, aderiu à União Nacional quando Salazar apelou aos monárquicos para que abandonassem as tentativas restauracionistas, tendo sido delegado da Comissão Distrital de Ponta Delgada da União Nacional junto da Comissão Executiva.

 

Em 1925, integraram a Comissão Executiva do Partido Regionalista Aristides Moreira da Mota, Luiz de Bettencourt de Medeiros Câmara, o Barão de Fonte Bela, Joaquim José Marques Moreira e Nicolau Maria Raposo d'Amaral (Menezes, 1995).

 

Nas eleições de 1925, foi eleito pelo círculo de Ponta Delgada Filomeno da Câmara Melo Cabral, que a partir de 1926 exerceu o cargo de presidente da Cruzada Nuno Álvares Pereira, movimento político nacionalista e conservador, e que participou no 28 de Maio de 1926, golpe militar que derrubou a Primeira República e levou à instauração do Estado Novo, tendo, em 17 de junho de 1926, sido nomeado ministro das Finanças.

 

Simpatizante de Mussolini e de Primo de Rivera, Filomeno da Câmara, por achar que a ditadura militar era pouco autoritária, em 1927, liderou uma intentona com o objetivo de implantar em Portugal um regime com características mais próximas do fascismo italiano.

Com a ascensão de Salazar ao poder, a contestação ao centralismo praticamente não se fez ouvir durante 48 anos, apesar de haver motivos para descontentamento, pois os velhos autonomistas foram morrendo e outros foram-se integrando no regime, como José Bruno Tavares Carreiro, que foi secretário do Governo Civil do Distrito de Ponta Delgada e chefe de gabinete do Coronel Silva Leal, Delegado Especial do Governo nos Açores, tendo sido militante da União Nacional.

 

Os movimentos autonomistas, segundo Menezes (1995), não tiveram âmbito regional, principalmente devido à desconfiança entre São Miguel e Terceira, e o segundo movimento “acreditou piamente que o aniquilamento do regime republicano seria o recurso estratégico mais adequado para a satisfação dos seus propósitos”.

 

Durante o Estado Novo, embora as ideias autonomistas se mantivessem, poucos ousaram defendê-las abertamente, pois a sua adesão ao regime sobrepunha-se. Assim, destacaram-se apenas os opositores ao salazarismo, que através da Declaração de Ponta Delgada defenderam a alteração do Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes, traduzida na eleição democrática (sufrágio direto e universal) dos corpos diretivos das Juntas Gerais, na libertação de encargos e na obtenção de novas fontes de receita para fins de fomento.

 

Com a instauração da democracia voltam a surgir “os ideais autonomistas” e “os sonhos separatistas”. Assim, a 6 de junho de 1974 surge o MAPA que, através do Correio dos Açores, propriedade de um sócio da família Bensaude, Medeiros e Almeida, dirigido por pessoas afetadas ao antigo regime (António Gaspar Read Henriques, diretor, e Manuel Ferreira, redator), divulga o seu manifesto onde defende a autodeterminação dos Açores.

Pouco depois do golpe spinolista de 11 de março de 1975, a 18 de março (Açores: 19 de março), o MAPA suspende as suas atividades e, face ao temor da implantação de um regime comunista em Portugal, pouco depois das eleições para a Assembleia Constituinte, ganhas nos Açores pelo PSD, na semana de 28 de abril a 3 de maio, surgem as primeiras pichações da FLA em Ponta Delgada. Tanto a FLA como o MAPA eram organizações conservadoras que, da sua composição, faziam parte simpatizantes e servidores do Estado Novo e que, depois do 25 de Abril de 1974, militaram no Partido do Progresso e no Partido da Democracia Cristã.

 

Nos anos de 1974 e 1975, várias organizações políticas (MAPA, PPD, Grupo dos Onze) apresentaram projetos de estatutos para a autonomia dos Açores, que vieram a culminar no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (Lei n.º 39/80, de 5 de agosto).

 

Ao contrário do que havia ocorrido com os primeiros dois movimentos autonomistas, que foram liderados por representantes das oligarquias locais, este terceiro movimento foi encabeçado por pessoas da classe média (João, 1991-92).

 

Bibliografia

 

João, I. (1991-92). Origem e causas dos movimentos autonomistas açorianos. Boletim do Núcleo Cultural da Horta. p.3-33.

 

Miranda, S. (1995). O Primeiro movimento Autonomista Açoriano e a Conjuntura Económica Internacional. In A Autonomia no Plano Histórico-I Centenário da Autonomia dos Açores. Ponta Delgada, Jornal de Cultura. 243-260 pp.

 

Menezes, L. (1995). A I República e o movimento autonómico. In “A Autonomia no Plano Histórico- I Centenário da Autonomia dos Açores. Ponta Delgada, Jornal de Cultura. 243-260 pp.