Os autonomistas eram progressistas?
Nos Açores foram três
os movimentos autonomistas: o primeiro ocorreu no final do século XIX, em 1893-94;
o segundo nos anos vinte do século passado; e o terceiro teve lugar após o
golpe militar de 25 de Abril de 1974.
O primeiro movimento
autonomista surgiu numa época de crise económica, de que é exemplo o declínio
da produção e exportação da laranja, que foi acompanhado da procura de
alternativas quer em termos de produção agrícola quer da criação de indústrias,
o que só teria viabilidade com a redução de impostos e a eliminação de
obstáculos burocráticos que se colocavam à criação de indústrias e à circulação
de mercadorias.
De acordo com João
(1991-92), “a gota de água que desencadeou o movimento autonomista, em Ponta
Delgada, foram as imposições tributárias sobre a produção do álcool industrial
e a perspetiva de um monopólio de venda e retificação do mesmo, a nível nacional.
Nas outras ilhas, em particular na Terceira, tinha havido uma grande agitação
contra a uniformização da moeda, porque elevava os impostos pagos pelos
açorianos”.
Este movimento, tal
como os que lhe sucederam, apresentava um cunho conservador e ligado às classes
mais abastadas, sendo liderado por “eminentes representantes da oligarquia
fundiária micaelense, um abastado comerciante e industrial, acionistas da indústria
do álcool, quadros do funcionalismo e membros de profissões liberais. Além do
advogado Aristides Moreira da Mota e do médico Mont'Alverne de Sequeira,
pontificavam na Comissão de Propaganda e Promotora da Autonomia nomes das mais
importantes famílias da ilha de S. Miguel, como Caetano d'Andrade Albuquerque,
José Maria Raposo d'Amaral, chefe dos progressistas a nível local, Pedro Jácome
Correia, líder dos regeneradores, Jacinto Silveira Gago da Câmara, conde de
Fonte Bela” (João, 1991-92).
Por sua vez,
Sacuntala Miranda (1995), sobre o primeiro movimento autonomista, escreveu o
seguinte: “... é um fenómeno urbano, que tem como esteio principal uma
burguesia letrada que, habilmente, consegue trazer para o seu campo a
aristocracia terratenente, canalizando os ressentimentos e receios desta para a
batalha autonomista. O povo trabalhador, esse, largamente marginalizado da
arena política, continua a reger-se pelos cânones de uma deferência ou
‘solidariedade vertical’ de Antigo Regime e a cumprir o seu destino secular,
abandonando a ilha em vagas cada vez mais volumosas”.
O segundo movimento
autonomista teve início já durante a I República, também num período de
problemas económicos e financeiros provocados pela participação portuguesa na
Grande Guerra. Surgiu em 1919 e prosseguiu até 1925,
com ponto alto nos anos de 1922 e 1923.
João (1991-92)
apresenta duas justificações para o surgimento deste segundo movimento
autonomista: por um lado, a oposição ao programa “socializante” da República
que, apesar de não se concretizar na prática, não era bem acolhido pelos mais
poderosos (capitalistas, proprietários rurais, Igreja, etc.); e, por outro,
pelo facto de os republicanos democráticos não terem cumprido a promessa de
criação de legislação descentralizadora.
Tal como o primeiro
movimento, este apresenta um carácter conservador, liderado por monárquicos.
Entre os seus líderes destacamos Aristides Moreira da Mota, Guilherme Fischer
Berquó de Poças Falcão, o conde de Albuquerque, Luiz de Bettencourt Medeiros e Câmara,
António José da Silva Cabral e Francisco Carvalhal. Estes, nas eleições de
1921, escolheram para candidato a deputado António Hintze Ribeiro, monárquico
ativo, seguidor de Paiva Couceiro, que participou na “Monarquia do Norte”
(1919), acabando por ser preso. Depois do golpe de 1926, em 1932, aderiu à
União Nacional quando Salazar apelou aos monárquicos para que abandonassem as
tentativas restauracionistas, tendo sido delegado da Comissão Distrital de
Ponta Delgada da União Nacional junto da Comissão Executiva.
Em 1925, integraram a
Comissão Executiva do Partido Regionalista Aristides Moreira da Mota, Luiz de
Bettencourt de Medeiros Câmara, o Barão de Fonte Bela, Joaquim José Marques
Moreira e Nicolau Maria Raposo d'Amaral (Menezes, 1995).
Nas eleições de 1925,
foi eleito pelo círculo de Ponta Delgada Filomeno da Câmara Melo Cabral, que a
partir de 1926 exerceu o cargo de presidente da Cruzada Nuno Álvares Pereira,
movimento político nacionalista e conservador, e que participou no 28 de Maio
de 1926, golpe militar que derrubou a Primeira República e levou à instauração
do Estado Novo, tendo, em 17 de junho de 1926, sido nomeado ministro das
Finanças.
Simpatizante de
Mussolini e de Primo de Rivera, Filomeno da Câmara, por achar que a ditadura
militar era pouco autoritária, em 1927, liderou uma intentona com o objetivo de
implantar em Portugal um regime com características mais próximas do fascismo
italiano.
Com a ascensão de
Salazar ao poder, a contestação ao centralismo praticamente não se fez ouvir
durante 48 anos, apesar de haver motivos para descontentamento, pois os velhos
autonomistas foram morrendo e outros foram-se integrando no regime, como José
Bruno Tavares Carreiro, que foi secretário do Governo Civil do Distrito de
Ponta Delgada e chefe de gabinete do Coronel Silva Leal, Delegado Especial do
Governo nos Açores, tendo sido militante da União Nacional.
Os movimentos
autonomistas, segundo Menezes (1995), não tiveram âmbito regional,
principalmente devido à desconfiança entre São Miguel e Terceira, e o segundo
movimento “acreditou piamente que o aniquilamento do regime republicano seria o
recurso estratégico mais adequado para a satisfação dos seus propósitos”.
Durante o Estado
Novo, embora as ideias autonomistas se mantivessem, poucos ousaram defendê-las
abertamente, pois a sua adesão ao regime sobrepunha-se. Assim, destacaram-se
apenas os opositores ao salazarismo, que através da Declaração de Ponta Delgada
defenderam a alteração do Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas
Adjacentes, traduzida na eleição democrática (sufrágio direto e universal) dos
corpos diretivos das Juntas Gerais, na libertação de encargos e na obtenção de
novas fontes de receita para fins de fomento.
Com a instauração da
democracia voltam a surgir “os ideais autonomistas” e “os sonhos separatistas”.
Assim, a 6 de junho de 1974 surge o MAPA que, através do Correio dos Açores,
propriedade de um sócio da família Bensaude, Medeiros e Almeida, dirigido por
pessoas afetadas ao antigo regime (António Gaspar Read Henriques, diretor, e
Manuel Ferreira, redator), divulga o seu manifesto onde defende a
autodeterminação dos Açores.
Pouco depois do golpe
spinolista de 11 de março de 1975, a 18 de março (Açores: 19 de março), o MAPA
suspende as suas atividades e, face ao temor da implantação de um regime
comunista em Portugal, pouco depois das eleições para a Assembleia
Constituinte, ganhas nos Açores pelo PSD, na semana de 28 de abril a 3 de maio,
surgem as primeiras pichações da FLA em Ponta Delgada. Tanto a FLA como o MAPA
eram organizações conservadoras que, da sua composição, faziam parte
simpatizantes e servidores do Estado Novo e que, depois do 25 de Abril de 1974,
militaram no Partido do Progresso e no Partido da Democracia Cristã.
Nos anos de 1974 e
1975, várias organizações políticas (MAPA, PPD, Grupo dos Onze) apresentaram
projetos de estatutos para a autonomia dos Açores, que vieram a culminar no
Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (Lei n.º 39/80,
de 5 de agosto).
Ao contrário do que
havia ocorrido com os primeiros dois movimentos autonomistas, que foram
liderados por representantes das oligarquias locais, este terceiro movimento
foi encabeçado por pessoas da classe média (João, 1991-92).
Bibliografia
João, I.
(1991-92). Origem e causas dos movimentos autonomistas açorianos. Boletim do
Núcleo Cultural da Horta. p.3-33.
Miranda, S.
(1995). O Primeiro movimento Autonomista
Açoriano e a Conjuntura Económica Internacional. In A Autonomia no Plano
Histórico-I Centenário da Autonomia dos Açores. Ponta Delgada, Jornal de
Cultura. 243-260 pp.
Menezes, L.
(1995). A I República e o movimento autonómico. In “A Autonomia no Plano
Histórico- I Centenário da Autonomia dos Açores. Ponta Delgada, Jornal de
Cultura. 243-260 pp.
