O MEM-Movimento da Escola Moderna: um outro modo de educar/ensinar
Em Portugal existem várias escolas ou projetos educativos que procuram ser uma alternativa às pedagogias “oficiais” ou tradicionais. Existem “Escolas Montessori”, existem “Escolas da Floresta”, há a conhecida internacionalmente Escola da Ponte e há o Movimento da Escola Moderna que é uma associação pedagógica de professores e outros profissionais da educação.
Este texto é sobre o MEM, sobre a sua origem e sobre o seu modelo pedagógico.
Como surgiu?
O fundador do Movimento foi o educador francês Célestin Freinet (1896-1966) que, segundo Roger Gilbert, foi “um homem livre que, em presença duma situação social que não aprova, a tudo recorre para a transformar”.
Célestin Freinet teve uma vida muito atribulada. Com efeito, antes de cursar o magistério foi pastor, combateu na primeira guerra mundial, tendo os seus pulmões sido afetados para o resto da vida, foi preso aquando da segunda guerra mundial e enviado para um campo de concentração alemão. Depois de libertado juntou-se à resistência francesa e combateu o nazismo.
Em 1925, filiou-se no Partido Comunista Francês, tendo-se desligado do mesmo na década de 1950 após ter sido acusado por aquele de “pensador burguês” por ter colaborado com o governo após o fim da segunda guerra mundial.
No que diz respeito ao ensino, em 1920, foi colocado como professor adjunto numa aldeia onde começou a “ensinar por meios diferentes da lição tradicional”, mais tarde em 1927, fundou a Cooperativa do Ensino Laico que tinha por principal objetivo “fabricar e editar material que seja útil à nossa escolha pedagógica” pois as editoras não se interessavam por editar materiais provenientes de um “pequeno professor primário” que fazia “afirmações inquietantes e pretende regenerar a escola e os educadores”
Em 1933, estando a lecionar em Saint-Paul de Vence, a comunidade local conservadora não aceitou as inovações por ele introduzidas tendo conseguido que fosse exonerado. Freinet não baixou os braços e dois anos depois criou a sua própria escola.
Em 1956, liderou uma campanha, que acabou por sair vitoriosa, a exigir o número máximo de 25 alunos por turma.
Em Portugal, resultado da correspondência trocada entre Freinet e Álvaro Viana de Lemos, este no final da década de 20 do século passado introduziu algumas técnicas Freinet na Escola Normal de Coimbra.
Mais tarde, em Portugal, em 1965, surgiu o MEM, a partir de um grupo de trabalho criado no Sindicato Nacional dos Professores que com todas as cautelas, por causa da ditadura, decidiu aderir à FINEM- Federação Internacional dos Movimentos da Escola Moderna, organização criada em 1957.
Ainda sobre os primeiros tempos do MEM em Portugal, no livro “A Pedagogia de Freinet por aqueles que a praticam”, editado em 1976, pela Moraes Editores, pode ler-se uma entrevista a uma das dinamizadoras de uma escola Freinet, situada nos arredores de Lisboa, que funcionou antes de 1974 quase na semiclandestinidade e onde “por ocasião das inspeções era preciso esconder os jornais escolares e fechar à chave o compartimento onde se encontravam as imprensas escolares”.
A democracia nas escolas
Para além de Freinet, o MEM tem como referência Vigotsky, psicólogo bielorusso, perseguido por Staline, que defendia que “o desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função das interações sociais e condições de vida” e que a “função do professor é a organização social das aprendizagens”.
O MEM em Portugal também se inspirou no pensamento de, entre outros, António Sérgio, Rui Grácio e Maria Amália Borges. Na atualidade a figura mais conhecida é Sérgio Niza, pedagogo nascido em Campo Maior, em 1940.
Este, sobre a democracia na escola destacou a importância em termos de formação para os alunos a sua participação democrática direta na escola, dentro e fora da sala de aula.
Ainda sobre o mesmo tema, Sérgio Niza escreveu:
“Todo o poder que se afirma por via da representatividade faz reproduzir a ideia de representação que pressupõe sempre uma ideia de elite. Há uns (que são) os eleitos e os outros…porque nós sabemos que (os eleitos) têm sempre mais poder, mais capacidade de intervenção. São questões fundamentais da democracia, que a democracia política não conseguiu resolver, mas que a democracia educativa poderá resolver”.
Sobre a participação cívica, Sérgio Niza defende o seguinte:
“…basta acreditar que o acto cívico directo é o que forma o cidadão. Desde que tu impeças algum cidadão de agir directa e civicamente, tu não estás com essa pessoa…”
O Modelo Pedagógico do MEM
Para o MEM o processo educativo está centrado no aluno, enquanto membro de um grupo e a educação deve incidir sobre as dimensões pessoal e social dos indivíduos.
De acordo com Sérgio Niza, citado por Pedro González (2002), o processo
pedagógico que é defendido pelo MEM apresenta as seguintes dimensões:
- Funcional- o interesse do aluno é o ponto de partida para toda a atividade
que se deseja realizar;
- Instrumentalista- há unidade da perceção, da ação e da fala no desenvolvimento da criança;
- Aspetos de organização e dimensão institucional – a turma e a escola devem ter uma organização que seja coerente com as finalidades propostas no âmbito social. Por outras palavras, defende-se “uma organização cooperativa do trabalho, com um carácter, ou melhor, com uma tendência para a autogestão.
Para além do referido, o modelo pedagógico do MEM, pode ser sintetizado em 12 postulados que foram transcritos González (2002):
“1- A acção educativa centra-se no trabalho diferenciado de aprendizagem dos alunos e não no ensino simultâneo do professor.
2- O desenvolvimento das competências cognitivas e socioafectivas passa sempre pela acção e pela experiência, efectiva, dos alunos, organizados em estruturas de cooperação educativa.
1. O conhecimento constrói-se pela consciência do percurso da sua própria construção: os alunos caminham dos processos de produção integrados nos projectos de estudo, de investigação ou de intervenção, para a compreensão dos conceitos e das suas relações.
4- Os alunos partem do estudo, da experiência e da acção nos projectos em que se envolvem, para a sua comunicação. A necessidade de comunicar o processo e os resultados de um projecto de trabalho dá sentido social imediato às aprendizagens e confere-lhes uma tensão organizadora que ajuda a estruturar o conhecimento.
5- A organização contratada da acção educativa evolui por acordos progressivamente negociados pelas partes (professores e alunos e alunos entre si). A gestão dos conteúdos programáticos, a organização dos meios didácticos, dos tempos e dos espaços faz-se em cooperação formativa e reguladora.
6- A realização de trabalho escolar fora da sala de aula (trabalho para casa) apenas decorrerá do plano individual de trabalho, autoproposto, como complemento de actividades de pesquisa documental, inquérito, leitura de livros ou produção de textos.
7- A organização de um sistema de pilotagem do trabalho diferenciado dos alunos, em estruturas de cooperação, assenta num conjunto de mapas de registo. O sistema de pilotagem sustenta o planeamento e a avaliação cooperada das aprendizagens e da vida social da turma.
8- A prática democrática da organização partilhada por todos institui-se em Conselho de Cooperação Educativa: o Conselho, com o apoio cooperante do professor, é a instituição formal de regulação social da vida escolar.
9- Os processos de trabalho escolar devem reproduzir os processos sociais autênticos da construção da cultura nas ciências, nas artes e na vida quotidiana: as estratégias de aprendizagem orientam-se pelas estratégias metodológicas próprias de cada área científica, tecnológica ou artística e não por transposições didácticas (homologia de processos metodológicos).
10- Os saberes e as produções culturais dos alunos partilham-se através de circuitos sistemáticos de comunicação, como validação social do trabalho de produção e de aprendizagem.
11-. A cooperação e a interajuda dos alunos na construção das aprendizagens dão sentido sociomoral ao desenvolvimento curricular.
12-Os alunos intervêm no meio, interpelam a comunidade e integram na aula ‘actores’ da comunidade educativa, como fontes de conhecimentos dos seus projectos de estudo e de investigação.”
Estratégias/técnicas
Das estratégias/técnicas usadas pelos docentes que trabalham na linha do MEM, destacam-se as seguintes:
Conselho de Cooperação Educativa
É composto por todos os membros da turma e alunos que se reúnem para:
- Regular as relações sociais na turma e instituir normas de convivência;
- Gerir eventuais conflitos na turma;
- Planear, acompanhar, orientar e avaliar as aprendizagens;
Tempo de Estudo Autónomo
É um tempo utilizado pelos alunos, individualmente ou em pequenos grupos, para trabalharem em função das suas necessidades e interesses, desenvolverem atividades de treino das aprendizagens, estudarem e realizarem projetos.
É o tempo ideal para o professor apoiar os alunos com dificuldades em determinadas áreas de aprendizagem.
Trabalho de Projeto
É uma modalidade de trabalho que existe há muito tempo, mas que não tem sido suficientemente ou devidamente utilizada.
De acordo com, Grave- Resendes e Júlia Soares (2002), entre outros aspetos a considerar no MEM no trabalho de projeto:
“- Os autores dos projetos são os alunos;
- Não há um projeto único para toda a turma. Desenvolvem-se, em simultâneo, vários projetos em diferentes fases de execução;
- Não há grupos fixos. Formam-se segundo os interesses dos alunos pelos temas;
- Os processos e os produtos de cada projeto são objeto de comunicação à turma;
- Os alunos que comunicam elaboram questionários, fichas ou outros instrumentos destinados a averiguar até que ponto a sua comunicação contribuiu para a aprendizagem pelos seus colegas.
- O professor apoia rotativamente os alunos.”
Materiais pedagógicos
- Manual adotado e outros
- Fichas
- Livros
- Computador com ligação à internet
- Filmes/vídeos
- Trabalhos dos alunos
Instrumentos de pilotagem
De entre os instrumentos de pilotagem existentes, podem ser usados os seguintes:
- Planos anual (PA)
Consiste essencialmente de uma listagem de conteúdos e atividades cujo principal objetivo é dar o programa oficial em linguagem acessível aos alunos.
Os alunos na elaboração do PA podem:
“- Apresentar interesses e expectativas, a serem contemplados no Plano Anual;
- Apresentar propostas de trabalho para o Plano Anual;
- Discutir e negociar (procurando o consenso) as várias propostas;
- Tomar decisões, em conjunto com o professor e os restantes colegas.”
- Plano Individual de Trabalho (PIT)
É um roteiro que guia o trabalho dos alunos, tendo um papel determinante no incremento da sua autonomia ao mesmo tempo que faz com que eles se comprometam e se responsabilizem pelo que têm de fazer.
No PIT para além de um espaço destinado às tarefas a realizar pelo aluno há uma área destinada à autoavaliação e à heteroavaliação
- Diário de Turma
É o registo do que se passa na turma, ocorrências positivas e negativas e do que de mais significativo foi realizado. Serve de suporte à negociação e à regulação da vida da turma.
Alguns (possíveis) critérios de Avaliação
- Assiduidade
- Pontualidade
- Autonomia
- Trazer material necessário
- Respeitar as regras de conduta
- Capacidade de autoavaliação
- Observa e coloca questões pertinentes, relaciona ideias e persiste nas tarefas propostas.
- Interpreta enunciados, escolhe estratégias adequadas e verifica criticamente os resultados, justificando o seu raciocínio.
- Recolhe, organiza e interpreta, de forma criteriosa, informações relacionadas com a física e a química.
- Realiza as tarefas propostas
- Realiza tarefas por iniciativa própria.
Faz os registos das aulas
- Intervém de forma adequada
- Respeita as ideias dos outros
- Revela espírito de interajuda
- Reflete e critica o seu trabalho e o dos colegas
- Revela hábitos de trabalho
Alguns Instrumentos de Avaliação
- Grelhas de registos de observação
- Observação direta/participação no trabalho da aula
- Registos de participação oral e escrita
- Trabalhos individuais /a pares /em grupo
- Observação/correção dos trabalhos produzidos nas aulas
- Fichas de avaliação sumativas
- Fichas de avaliação formativas
- Fichas de auto e heteroavaliação
- Caderno diário
Sugestões Bibliográficas
González, P. (2002). O Movimento da Escola Moderna- um percurso cooperativo na construção da profissão docente e no desenvolvimento da pedagogia escolar. Porto: Porto Editora.
Grave-Resendes, L., Soares, J. (2002). Diferenciação Pedagógica. Lisboa: Universidade Aberta.
Nóvoa, A., Marcelino, F., Ó, J. (2012). Sérgio Niza: Escritos sobre Educação. Lisboa, Tinta-da-china. 720 pp.
Pires, J. (2006). O Planeamento no Modelo Pedagógico do Movimento da Escola Moderna. In revista Escola Moderna, nº 17, pp 23-66

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