quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Carta Aberta


CARTA ABERTA A JOÃO CÉSAR DAS NEVES A PROPÓSITO DO CUSTO POR ALUNO NA ESCOLA PRIVADA / ESCOLA PÚBLICA*
Exmo Senhor Professor João César das Neves,

(* http://dn.sapo.pt/2009/02/23/opiniao/o_desastre_estadoeducador.html )

O seu artigo incide sobre um livro que eu não li. Porém, a afirmação desse livro, reiterada por si, de que o aluno do ensino público sai mais caro que o do ensino privado é uma falácia grosseira. Senão, vejamos:
- como é avaliado o custo por aluno?
- Será avaliado, no custo por aluno do ensino público, o custo da máquina estatal do Ministério da Educação, que mesmo no seu paraíso neo-liberal teria de existir, presumo?
- Será que, no custo médio do aluno do ensino público por esse autor estabelecido, não estão incluídos os custos com os que estão em maiores dificuldades económicas e carecem – por isso mesmo – de maiores apoios financeiros directos e indirectos do Estado?
- Será que, neste custo, não estará incluída a despesa com a formação inicial e ao longo da vida dos professores, de que aliás as instituições privadas acabam por beneficiar e muito, pois em Portugal os educadores têm tido senão a totalidade, pelo menos uma parte importante, dos seus estudos universitários feitos em escolas do Estado ou custeados pelo Estado?
- Será que tem em conta que a esmagadora maioria dos docentes recebe formação em escolas públicas, incluindo nos anos pós-licenciatura, em que está a adquirir competência, que – eventualmente – porá mais tarde ao serviço de escolas privadas (ou seja, é um custo que as privadas não têm de suportar)?
- Como sabe perfeitamente, o Estado oferece uns largos biliões aos utentes do ensino privado, dado que os cidadãos abatem uma parte dos seus impostos com a apresentação das propinas deste ensino, o que de facto é um subsídio muito directo. Será que essa perda de receitas é contabilizada como custo para o Estado EM FAVOR do ensino privado?
- Além disso, o Estado multiplica os subsídios directos e indirectos a escolas privadas: será que esses subsídios estatais foram contabilizados como «despesa do Estado com o ensino público» ou foram-no – como deveria ser – contabilizados como custos do ensino privado, mas custeados por todos nós!!?

De facto, o Estado tem favorecido sistematicamente o ensino privado, tem feito com que uma pseudo elite (porque somente do dinheiro) aí coloque os seus filhos. Tem criado as condições ideais para que essa escola elitista singre e se desenvolva. Se não se desenvolveu mais, é por falta de «empreendorismo» do empresariado português, neste sector. Pois as condições de expansão do negócio da educação para os ricos são realmente excelentes em Portugal, apesar da crise.
A hipocrisia é não reconhecer isso; a hipocrisia é querer uma privatização absoluta da Escola, sabendo-se muito bem que isso não é possível, porque é necessário uma «instrução» para entreter as massas, enquanto estas não entram para um mercado de emprego, sem qualificação para singrar profissionalmente. Porém, os filhos dos ricos, ensinados por si na Universidade Católica, vão ser os gestores e administradores das empresas onde irão trabalhar filhos dos menos abonados. Estes são condenados à moderna forma de escravatura, um trabalho sem garantias, sem direitos, com 100% de precariedade e com 0% de futuro.

É preciso que haja honestidade intelectual, façam-se as contas bem feitas e chega-se à conclusão de que o privado, em todos os graus, desde o jardim de infância ao superior, é predador do sistema público, aproveita-se dele, de múltiplas maneiras.

O Estado está em dívida, sim, mas para com milhões de crianças e jovens aos quais tem obrigação de fornecer um ensino de qualidade e não o faz.
E não o faz, enquanto vai satisfazendo o sector privado. Isso tem muito a ver com lóbis que enxameiam os corredores do Ministério da Educação e não só (dos órgãos do Estado em geral, dos partidos, da média, etc.), em particular, o lóbi «neo-liberal, pró-ensino privado».
Ele tem muito mais peso (e portanto mais responsabilidade) que qualquer outro na Educação neste país, apesar de aparecer discreto e, porém, sempre a «reivindicar» mais, como se fossem os «deserdados» do regime; mas isso faz parte da «boa» táctica para pressionar o Estado.

Cumprimentos,
Manuel Baptista

[*

O DESASTRE DO ESTADO-EDUCADOR - João César das Neves
Professor universitário - naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

Portugal é um país extraordinário, cheio de sucessos e coisas excelentes. Devemos amá-lo muito, até porque tanta gente diz mal dele. Mas por vezes é difícil não desanimar face aos disparates. Acaba de ser publicado um livro que mostra como o Estado viola repetidamente a lei e corrompe a liberdade num dos campos mais decisivos para o desenvolvimento.
“Sobre os direitos fundamentais de educação. Crítica ao monopólio estatal da rede escolar” (Universidade Católica Editora, 2009), do professor Mário Pinto, trata da liberdade de educação. Os pais têm o direito de escolher a educação dos filhos e o Poder tem de lhes dar os meios para isso. Este valor está garantido na Constituição da República e repetidamente assegurado na lei. Mas tais piedosos propósitos pouco têm a ver com a realidade.
Sabia que, por exemplo, o Estado tem a obrigação de "promover progressivamente o acesso às escolas particulares em condições de igualdade com as públicas"? (art. 4.º g) D-L 553/80 de 21 Nov.). A não ser que a palavra "progressivamente" signifique "nunca", a lei é flagrantemente desrespeitada.
A sensação generalizada na sociedade é que o ensino particular é uma coisa para ricos. Não admira, pois quem quiser escolher a escola dos filhos tem de pagar duas vezes, nas propinas a educação dos seus e nos impostos a educação dos outros. Isto até no ensino obrigatório, que a lei diz dever ser gratuito. Deste modo, o Estado recusa aos pobres a liberdade que a Constituição lhe confia.
De onde vem a limitação? "Não é a Constituição, nem a lei ordinária que impõem o monopólio escolar do Estado de facto existente, designadamente o monopólio do financiamento público; são as práticas governativas e administrativas, aliás em desobediência à lei" (p. 47). Sucessivos governos, apesar da evidência da catástrofe educativa, insistem em forçar o contrário da legislação.
Não se podem invocar razões económicas para tal, pois, como Mário Pinto demonstra, "dado que o custo médio por aluno na rede das escolas do Estado é mais elevado do que o custo médio por aluno nas escolas privadas (...), é mais económico para o Estado pagar o ensino nas escolas privadas do que pagar o ensino nas escolas estatais" (p. 239). Acontece assim este paradoxo de os pobres terem uma educação mais cara que os ricos, com o Estado a esconder o facto e a expandir a solução ruinosa.
O desastre não é de hoje. Portugal "desde o despotismo iluminado, viveu continuamente em regime autoritário de Estado-educador" (p. 30). Qual a razão para tão flagrante e continuado desrespeito da lei e liberdade? Mário Pinto mostra bem as terríveis forças que o manobram: "Explicação para este conservadorismo do modelo escolar é, sem dúvida, o domínio de interesses corporativos muito fortes sobre as sucessivas políticas governativas e administrativas: desde logo, por parte da própria Administração Escolar (que é uma antiga e poderosa tecno-estrutura de poder burocrático da Administração Pública); bem como dos sindicatos dos professores (maioritariamente influenciados por dirigentes defensores das carreiras públicas e de um monopólio de Estado no sistema educativo), com enorme interferência no Ministério da Educação; e, ainda, da corrente universitária de tendência construtivista iluminada, instalada nas escolas superiores públicas de educação" (p. 33). Subjacente a isso está a irresistível atracção totalitária do uso da educação como forma de controlo: a "tentação do unitarismo, que patentemente inspira a concepção estatista do ensino escolar, e detesta as escolas privadas" (p. 213).
Mas será que, monopolizado e centralizado, o sistema de educação é bom? Não é antes a triste situação das nossas escolas algo que os sucessivos governos censuram aos antecessores e prometem emendar? Quando agora se fala de educação sexual e das perversões que alguns consideram educativas, a coisa fica séria.
Portugal é um país extraordinário. Uma das coisas mais impressionantes é a sua capacidade de sobreviver e até ter sucessos excelentes apesar dos disparates das elites.

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