domingo, 3 de março de 2024

Entrevista ao Correio dos Açores


FACE A FACE!... com o cidadão interventivo, com o ecologista e com o professor aposentado Teófilo Braga

1 – Descreva os dados que o identificam perante os leitores!

Natural da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, onde nasci em 1957e residente no Pico da Pedra, desde 1983. Após passar à reforma em maio de 2023, tenho aprofundado o estudo das plantas associando a botânica à etnografia e à cultura popular açoriana, dedicado mais tempo à leitura e à investigação histórica e como não gosto de ficar pela teoria tenho investido uma parte significativa do meu tempo à plantação, num terreno que possuo em Vila Franca do Campo, de plantas ornamentais e fruteiras exóticas e espécies da flora nativa dos Açores.

2 – Fale-nos do seu percurso de vida no campo académico, profissional e social?

Estudei até à 4ª classe na Escola do 1º Ciclo da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, passei pelo Externato de Vila Franca onde concluí o 5º ano (hoje 9º ano de escolaridade), frequentei o Liceu/Escola Secundária Antero de Quental, onde concluí o 7º ano (hoje 11º ano de escolaridade) e tirei o bacharelato em Ciências Físico-Químicas/Matemática no Instituto Universitário dos Açores. Mais tarde, frequentei o Instituto Superior de Educação e Trabalho onde concluí o Curso de Estudos Superiores Especializados em Administração Escolar (equiparado a licenciatura) e por fim, na Universidade dos Açores, tirei o Mestrado em Educação Ambiental.

A nível profissional fui professor durante 44 anos e 4 meses, tendo lecionado no 2º ciclo, no 3º ciclo e no ensino secundário em várias escolas, públicas e profissionais, da ilha Terceira e de São Miguel. Fui vice-presidente da Escola Secundária das Laranjeiras e Presidente da Comissão Executiva Provisória da Escola Secundária da Ribeira Grande.

Fora do ensino fui, durante um curto período de tempo Administrador-Delegado da ARENA- Agência Regional da Energia e Ambiente da Região Autónoma dos Açores.

No campo social, desde muito novo estou ligado ao associativismo ambiental, tendo sido um dos fundadores de uma associação ambiental na Terceira, o Grupo Luta Ecológica, também fui fundador e presidente da direção, durante longos anos, dos Amigos dos Açores- Associação Ecológica e atualmente sou coordenador do núcleo dos Açores da IRIS- Associação Nacional de Ambiente, sendo também membro do seu Conselho Fiscal.

Na área do sindicalismo de professores, fui, na ilha Terceira, delegado sindical do SPRA- Sindicato dos Professores da Região Açores e fui, em São Miguel, membro dos Órgãos Sociais do SDPA- Sindicato Democrático dos Professores dos Açores.

Adepto das ideias sobre o cooperativismo de António Sérgio, estive ligado à Delegação de Ponta Delgada da Cooperativa Semente e fui presidente da direção da Cooperativa de Consumo do Pico da Pedra.

No que diz respeito ao associativismo docente, estive ligado ao Movimento da Escola Moderna, tendo feito parte da Comissão Coordenadora do Núcleo da Ilha de São Miguel.

3 – Que influencia tiveram os seus pais na sua formação académica?

Meus pais tinham apenas a antiga 4ª classe, mas tudo fizeram para que eu conseguisse estudar e tirar um curso superior, pois como eles anteviam viver da agricultura, para além de ser uma vida dura não tinha futuro, como se pode ver pelo estado em que estamos hoje., onde apenas a pecuária tem sobrevivido.

4 – Como se define a nível profissional?

Ao longo da minha vida profissional fui cumpridor e sempre procurei manter-me atualizado. Nunca tive horários, ou melhor para além de cumprir o meu horário semanal, sempre trabalhei para além do pedido. O ser professor para mim foi mais do que uma profissão. Fui um missionário.

5 – Quais as suas responsabilidades?

Hoje, apenas não tenho de cumprir um horário obrigatório. De resto as minhas responsabilidades mantém-se, agora mais em termos familiares.

6 – Como descreve o sentido de família no tempo de seus pais. Qual o sentido que ela tem hoje e que espaço lhe reserva?

Não vejo qualquer diferença entre o sentido de família no passado e no presente. Para mim, a família, sempre esteve em primeiro lugar, mesmo quando tinha deveres profissionais a cumprir.

6 – Que importância têm os amigos na sua vida?

Por vezes os amigos são tão ou mais importantes que os familiares, pelo menos alguns.

Muito do que sei e do que sou também é fruto da minha aprendizagem com os amigos e da sua ajuda quando deles preciso. Esta ajuda não tem de ser material, por vezes uma ou duas palavras bastam.

7 – Para além da profissão que actividades gosta de desenvolver no seu dia-a-dia?

Hoje, reformado, faço com mais intensidade e com mais tempo disponível o que já fazia quando lecionava.

Leio muito, investigo sobre história local e sobre a resistência ao Estado Novo nos Açores.

Escrevo, depois de pesquisar, sobre tradições ligadas à terra e sobre as plantas que têm ajudado os humanos a viver no nosso arquipélago ao longo de séculos.

Trabalho na terra, onde tenho uma pequena produção de bananas e de outras frutas.

Sempre que sou convidado apoio alguns colegas em atividades escolares diversas, através de visitas guiadas ou de sessões onde apresento alguns temas ambientais.

8 – Que sonhos alimentou em criança?

Não me lembro de ter sonhos em criança. Pelo contrário, tinha “medos”, sendo um deles o de mais tarde ter de ir para a tropa e para a guerra colonial e por lá ficar, como aconteceu com dois jovens professores da minha escola primária e com um jovem da Ribeira Seca de Vila Franca que morava no Pico d’El Rei, na Ribeira Seca.

9 – O que mais o incomoda nos outros?

Sobretudo a hipocrisia e a mentira.

10 – Que características mais admira no sexo oposto?

Não distingo as características por sexo. Assim, admiro sobremaneira o respeito por opiniões diversas, a solidariedade e a sinceridade.

11 – Gosta de ler? Diga o nome de um livro de eleição?

Estou permanentemente a ler, por vezes mais do que um livro ao mesmo tempo, preferindo história recente, isto é, do Estado Novo até à atualidade, biografia e romance. Gosto de tudo o que escreveu Jorge Amado, Gabriel Garcia Marques e José Saramago. Como a pergunta é sobre o nome de um livro, indico e recomendo a leitura de “Os Velhos”, da minha colega da Escola Secundária das Laranjeiras, Paula de Sousa Lima.

12 – Como se relaciona com o manancial de informação, nomeadamente as notícias falsas, que inunda as redes sociais?

No mundo de hoje, não é fácil distinguir o que é falso do que é verdadeiro. Por isso, estou sempre de pé atrás e procuro sempre conhecer várias fontes.

Procuro seguir dois conselhos: Um atribuído a São Tomás de Aquino que terá dito: Cuidado com o homem de um só livro.” O outro de Santo Agostinho que recomendava o seguinte: “Oiçam o outro lado”

13 – Como lida com as novas tecnologias e que sectores devem a elas recorrer para melhorarem o respectivo rendimento?

Embora com mais ou menos dificuldade e por vezes forçado tive de aprender a trabalhar com os computadores e outras tecnologias para usá-las como recurso no meu lugar de trabalho e em casa.

Mas não se pense que, numa escola, pelo facto de se usar, por exemplo o “powerpoint” numa sala de aula estamos a alterar o modo de ensino/aprendizagem.

14 – A inteligência Artificial está no centro do debate e pode por em risco o ser humano. Até onde deve ir essa inovação?

Sinceramente não tenho lido muito sobre este assunto, mas com a inteligência artificial acontecerá o mesmo que com outras inovações, isto é, pode ser bem ou mal-usada.

Sobre este assunto cito o famoso Albert Einstein: “Porque é que esta magnífica tecnologia científica que nos facilita o trabalho e nos torna a vida mais fácil nos traz pouca felicidade? Porque não aprendemos a usá-la com juízo.”

15 – Costuma ler jornais?

Sim, todos os dias, sobretudo os da ilha de São Miguel.

16– Gosta de viajar? Que viagem mais gostou de fazer?

Sim, gosto muito. A viagem que mais gostei de fazer foi aos Estados Unidos da América, na década de 80 do século passado, onde pude ver a riqueza e a pobreza num país rico, onde vi como viviam os nossos emigrantes e visitei museus e parques maravilhosos. Uma curiosidade naquela altura os americanos já reciclavam as latas de bebidas.
17 – Quais são os seus gostos gastronómicos? E qual é o seu prato preferido?
Como sou vegetariano, vou apenas referir um prato que comi num conhecido e afamado restaurante de São Miguel, “Bife de seitan à Associação”.

Como sou guloso, menciono um arroz-doce que é feito cá em casa, sem ovos e sem leite de vaca.

18 – Que noticia gostaria de encontrar amanhã no jornal?

Que as guerras tinham acabado em todo o mundo e que os direitos humanos e de todos os seres vivos passariam a ser respeitados por todos os Estados, os ditatoriais e os que se dizem democráticos. Em suma, que na Terra vigoraria um novo regime mais justo, limpo e pacífico.

19 – Qual a máxima que o/a inspira?

Se me aflige ver pessoas que praticam o mal também me aflige a indiferença de alguns perante a sociedade em que vivem, não contribuindo para a melhorar, mesmo que seja apenas um bocadinho.

Assim, há duas frases que são inspiradoras:

“A guerra é um crime contra a humanidade. Estou determinado a não apoiar nenhuma guerra e a lutar pela abolição de todas as suas causas” (War Resisters’ International)

“Um dia seremos julgados também por aquilo que não dissemos” (Edward Murrow)

20 – Em que época histórica gostaria de ter vivido?

Nesta, pois apesar das desilusões que tenho com o rumo dos acontecimentos depois do golpe militar de 25 de Abril de 1974, penso que é melhor do que as anteriores.

21 – Enquanto ambientalista, está preocupado com o crescimento contínuo do turismo nos Açores e com os projetos de novos hotéis que estão já autorizados? Qual o limite que o ambiente impõe ao turismo?

Em primeiro lugar, não me considero ambientalista, pois o ambientalista acredita que a ciência e a técnica são capazes de resolver os problemas ambientais e eu acho que não, pois se fosse assim todos os problemas já estariam resolvidos. Mas não fico zangado quando sou tratado como tal.

Sobre o assunto, é claro que fico preocupado, pois o nosso território não cresce e nada deve ser feito que ponha em causa a qualidade do ambiente e consequentemente a qualidade de vida dos açorianos.

22 – O vulcanólogo João Carlos Nunes, a propósito do seu livro “Guia Prático da Geodiversidade dos Açores’, agora lançado, afirma que “precisamos estar atentos com, por exemplo, algumas áreas em termos turísticos para termos a certeza que as capacidades de carga não sejam excedidas. Estamos a começar a correr este risco? Pode explicar?

Estou perfeitamente de acordo com João Carlos Nunes com quem partilhei muitos anos de trabalho voluntário nos Amigos dos Açores. Todos os espaços têm uma capacidade de carga que através de uma pesquisa na internet pode ser definida como “o número de indivíduos que um ambiente pode suportar, sem impactos negativos significativos para o organismo e o seu ambiente”. Face ao exposto, urge calcular a capacidade de carga dos vários espaços e limitar ou mesmo impedir o seu acesso em caso de ultrapassagem. Não podemos matar a nossa galinha dos ovos de ouro.

23 – Os docentes dos Açores continuam a ter razões para queixas? Quais as principais?

Se é verdade que, ao contrário do que acontece no Continente português e do que queria uma antigo secretário regional com o pelouro da educação, os professores dos açores têm vindo a recuperar tempo de serviço congelado, não é menos verdade que os professores açorianos continuam mergulhados em burocracias que em nada contribuem para a melhoria da qualidade do ensino.

24 – Os professores só devem dar aulas ou também devem acompanhar os alunos no recreio?

Talvez a minha resposta seja desconcertante. Os professores não devem substituir o pessoal não docente, como os não docentes não substituem os professores. O que afirmo com convicção é que os professores devem sair mais das salas de aula e dar mais aulas nos recreios, nos espaços ajardinados das escolas, nos espaços verdes próximos dos edifícios escolares e nas praças e ruas das freguesias, vilas e cidades, etc.

25 – Há quem diga que os professores já ganham demais e têm regalias suficientes. Como reage a quem pensa assim?

São opiniões e todas são respeitáveis. Mas, não concordo e acho que os factos demonstram que tal não é verdade, pois nas nossas escolas há falta de professores com habilitação profissional.

26 – Se desempenhasse um cargo governativo descreva uma das medidas que tomaria?

Implementava a política dos 3 R, no que diz respeito aos resíduos sólidos urbanos, o que nunca foi feito, pois do primeiro R ninguém se lembra: Reduzir.

27– Que analise faz à situação política regional?

Penso que a região está ingovernável, pois o crescimento de uma força política que tem por objetivo primeiro governar, passando por cima de todas as outras, impede a existência de acordos duradouros.

28– Foi um erro o PS/A ter anunciado que vai votar contra o programa do Governo? Quer explicar?

Não tenho qualquer interesse pela atividade partidária, mas não pondo em causa a decisão de qualquer partido, se fosse dirigente do PS/A, só anunciaria o voto contra depois de conhecer o documento em causa.

29 – Na ótica de cidadão eleitor, acredita que a coligação PSD/CDS/PPM com a mesma distribuição de pastas pelos três partidos, vai governar os Açores com o apoio do CHEGA isto quando José Pacheco afirma que só haverá Governo nos Açores com o CHEGA a uma dimensão superior ao CDS e ao PPM?

Ainda em relação à questão anterior, penso que o anúncio do PS foi para colocar a coligação nas mãos do CHEGA, que me parece não estar interessado em ir para o governo, pois se estivesse não exigia coisas impossíveis, como retirar de lá o CDS e o PPM, como já li. Ao contrário dos pequenos partidos da antiga geringonça que no continente apenas exigiam algumas “migalhas” do PS, o CHEGA pretende ter o bolo todo na mão. Estou convencido que qualquer acordo parlamentar ou de governo com o CHEGA terá curta duração.

30 – A questão que se coloca é, em caso de nova crise política e novas eleições, os eleitores vão dar maioria absoluta à coligação PSD/CDS/PPM ou vão reforçar ainda mais a votação no CHEGA?

Não sou adivinho, mas as duas hipóteses são possíveis. O CHEGA continuará a crescer se os governos continuarem a governar mal, enquanto alguns governantes continuarem a estar envolvidos em alegados casos de favorecimento de amigos ou mesmo em práticas associadas à corrupção.

31– Quer acrescentar algo mais que considera importante no âmbito desta entrevista?

Desiludido com a política partidária, em que o objetivo máximo é conquistar o poder, para mim o caminho para alterar a sociedade é a participação cívica nas mais diversas organizações não governamentais.

Correio dos Açores, 18 de fevereiro de 2024

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