terça-feira, 23 de julho de 2019

A Batalha madeirense e a Revolta da Madeira


A Batalha madeirense e a Revolta da Madeira

Na ilha da Madeira, publicou-se entre 1926 e 1932 o jornal A Batalha que era propriedade das Associações de Classe: carpinteiros, pedreiros, pintores, fabricantes de calçado e manipuladores de pão, apresentando-se como órgão defensor do povo dos consumidores e das vítimas dos homens.

O ano de 1931 foi um ano negro para o regime que sucedeu à Primeira República, tendo ocorrido várias tentativas de derrubar a ditadura nacional. De entre as insurreições havidas, destacamos a Revolta da Madeira, que também se estendeu aos Açores e que durou quase um mês, de 4 de abril a 2 de maio.

Neste texto, damos a conhecer o eco da chamada Revolta da Madeira, no referido jornal “A Batalha”, salientando o facto de, ao contrário do que aconteceu nos Açores, a revolta não se ter limitado aos militares e deportados, tendo obtido amplo apoio da população madeirense, sobretudo a urbana, em virtude daquela ilha estar “mergulhada num clima pré-insurrecional a que não faltava nenhum dos ingredientes da revolução social: crise económica e social, movimento de massas, com o operariado atingido por um forte desemprego e as classes médias descontentes pelo alegado abandono a que eram votadas pela Ditadura” (Farinha, 1988, p.145).

A Revolta da Madeira possuía objetivos bastante limitados, isto é, não tinha programa político e não apresentava uma proposta de governo para substituir o que estava em exercício em Lisboa, limitando-se a restaurar “os verdadeiros princípios republicanos que nortearam o 5 de Outubro” (Farinha, 1988, p. 149).

O anarquista Mário Castelhano que havia chegado à Madeira depois de ter estado deportado nas colónias, segundo Farinha (1988) participou ativamente na Revolta da Madeira e o movimento sindical, também, tomou posição de apoio aos revoltosos, como o demonstram os textos publicados no já referido jornal “A Batalha”.

Mário Castelhano conta no seu livro Quatro Anos de Deportação que chegou à Madeira, proveniente dos Açores, onde estivera deportado, depois de ter estado em Angola, no dia 6 de abril, dois dias depois da revolta da guarnição militar.

Através da leitura do livro Mário Castelhano fica-se a saber que não só todos os partidos republicanos aderiram à revolta como também uma parte significativa da população, tendo-se realizado “manifestações grandiosas que percorreram as ruas da cidade aos vivas à liberdade e morras à tirania” (Castelhano, 1975, p.194).

A posição das organizações operárias foi bem clara de apoio aos revoltosos, como o demonstram vários artigos publicados no jornal A Batalha.

No dia 11 de abril, num texto assinado por Teófilo Rodrigues, podemos ler o seguinte: “Liberdade! Todos viram o nosso jornal dar o primeiro viva à Liberdade, no dia 4, e seremos nós quem, também, manterá a mesma opinião… Agora, mais do que nunca, ponhamos os olhos no futuro, enfrentemos a situação, pela forma mais logica possível, e lutemos porque é chegada a hora que nos fará livres para sempre, como o somos agora…”

No mesmo jornal, no dia 13 de abril, podemos ler o seguinte: “Os trabalhadores da Madeira só têm um caminho a seguir nesta excepcional emergência: unirem-se a todas as vítimas da ditadura e lutarem a seu lado, ao lado da guarnição militar que rompeu fogo contra a mesma e lutar, lutar, até vencer!”

De acordo com Mário Castelhano, a questão não se ficava pelo derrube da ditadura, pois o povo “sabia que a sua vida económica pouco viria a melhorar com a mudança de situação, mas queria pelo menos ter mais liberdade para encaminhar seus passos a destinos mais vastos” (Castelhano, 1975, p. 202).

A opinião de Mário Castelhano é corroborada por um texto publicado n´A Batalha, a 18 de abril, onde o autor depois de referir a situação dramática em que viviam os madeirenses e os demais portugueses sob a ditadura termina do seguinte modo: “Prossigamos, pois na luta atá à queda da ditadura. Depois, colaboraremos com o restante proletariado, na conquista de direitos insofismáveis, no adento de princípios sociais mais justos e equilibrados”.
No primeiro número d’A Batalha publicado após a derrota da Revolta da Madeira, no dia 9 de maio de 1931, não há qualquer referência explicita ao ocorrido, destacando-se na primeira página em letras grandes o seguinte texto:
“SERENAMENTE
A vida é uma ilusão. O egoísmo é quem predomina em todos os campos, a sua ação é violável. A maldade sua companheira acompanha a passos lentos este tributar da vida em que todos nós estamos empenhados. Ai dos homens, desde o sábio ao plebe, que por caminhos diversos querem chegar ao fim da estrada da vida sem uma mácula.
Para estes as nossas saudações. Para os que erram o nosso desprezo.”

No mesmo número do jornal, destacamos dois textos “Exortação ao Trabalhador Rural” de Neno Vasco e “O 1º de Maio do ano Cincoenta (sonho)” de Leon Kobrin.



Bibliografia

Castelhano, M. (1975). Quatro anos de deportação. Lisboa: Seara Nova

Farinha, L. (1988). O Reviralho- Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo 1926-1940. Lisboa: Editorial Estampa.

Teófilo Braga
26 de janeiro de 2019
(A Batalha, VI Série, Ano XLV, nº 284-285, Mar/Jun 2019)

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