segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Feto-do-cabelinho


Feto-do-cabelinho

O feto-do-cabelinho, cabelinho ou feto-abrum, na Madeira (Culcita macrocarpa C. Presl.), que pertence à família Culcitaceae, é uma espécie nativa dos Açores, existindo em todas as ilhas, exceto na Graciosa. O feto-do-cabelinho, que pode ser encontrado até aos 1100 m de altitude, é raro em Santa Maria e no Corvo. Também existe na Madeira, nas Canárias e no norte de Portugal continental e oeste de Espanha.

O feto-do-cabelinho possui o rizoma coberto por escamas castanho-avermelhadas, pecíolo glabro e frondes tufadas, medindo de 80 cm a 2 m. As suas lâminas triangulares são verde-luzidias.

Gaspar Frutuoso, no capítulo XLVIII do livro IV das Saudades da Terra, ao descrever o interior da ilha de São Miguel faz referência a algumas plantas cultivadas ou espontâneas, entre elas o feto-do-cabelinho, do seguinte modo:

Mas, por estar muito descoberta a estes e a outros ventos, é mui escaldada, posto que por antre as serras tem alguns vales e baixos de grotas abrigados, e nas faldras das serras, algumas ladeiras e terras chãs, onde os moradores fazem suas sementeiras, principalmente de trigo pelado, centeio, cevada e pastel; e nos altos pastam seus gados em bons pastos, que havia dantes e há em toda ela, porque no lugar a que não chegou a pedra pomes e cinzeiro que caiu no tempo do segundo terremoto, ainda os pastos são como sempre foram de muita erva milhã, pé de galinha, balanco, azevém, sargaço, que outros chamam saragaço, trevo e trevina, para os porcos, alfacinha, feito, dentabrum e cabelinho, que serve como lã para colchões e o pé para comer, como palmitos e outras muitas sortes de diferentes ervas, musgo e grama, que é erva pequena, baixa e rasa com o chão”.

O médico madeirense Guilherme João de Fraga Gomes (1875-1952) que criou, na Maia, no lugar do Outeiro Redondo, um jardim, hoje conhecido como Mata do Dr. Fraga, onde possuiu uma coleção de fetos, entre eles o feto-do-cabelinho, não concorda com a afirmação de Gaspar Frutuoso, pois dadas as características deste, isto é, não possuir “propiamente rizoma, mas somente uma radículas que, comparadas ao porte das suas bonitas palmas, parecem insignificantes”, etc., considera que “dificilmente se compreenderá e admitirá a possibilidade de se aproveitar qualquer parte deste feto que, cozida seca ou torrada no forno, se torne farinável, panificável ou, por qualquer forma, comestível”. Segundo ele, a espécie usada na alimentação terá sido o feito, feiteira ou feteira (Pteridium aquilinum).

O feto do cabelinho, segundo Acúrcio Garcia Ramos (1871), possui “apêndices sedosos, de um amarelo carregado, que revestem o rizoma” que são usados “para encher colchões e travesseiros”.

Gabriel de Almeida (1893), jornalista e escritor micaelense, depois de considerar o feto do cabelinho como “um dos mais belos vegetais da sua ordem nos Açores”, escreve que “as raízes do rhizoma são escuras, sedosas, brilhantes e muito leves, e por isso mui próprias para almofada ou enchimento de coxins”. O mesmo autor refere que o feto-do-cabelinho “constitue artigo de commercio para Portugal e Brazil: a perseguição que por esse motivo se faz à espécei , dá logar a que se vá tornando rara sem querer ver-se, que por esse caminho se extinguirá nas ilhas num futuro próximo uma das mais formosas plantas.”

O seu desaparecimento da ilha Graciosa, segundo o botânico Erik Sjogren, poderá ter sido devido ao uso excessivo para os fins mencionados.

O feto do cabelinho até há pouco tempo era utilizado na medicina popular madeirense e chegou a ser vendido, no Porto, como planta ornamental. Na freguesia da Fajã da Ovelha, na Madeira, de acordo com Freitas e Mateus (2013), colocavam-se “os pelos do rizoma nas chagas para estas não infectarem, tendo uma “ação antibiótica”.”

Nos Açores, não é conhecida qualquer utilização atual, mas poderia se usado como planta ornamental em alguns jardins localizados a maior altitude.
Teófilo Braga

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